quarta-feira, 13 de março de 2013

Sara, Goodbye


Orlando me ligou dizendo que de manhã Sara não queria comer ou beber nada.
Fiquei de levá-la a um veterinário depois do almoço.
Não me lembro nem de que idade Sara tinha.  O branco invadira suas pupilas indicando que o glaucoma havia tomado sua visão. Remelas negras escorriam pelos seus olhos como maquiagem.
Dava pra ser atriz se quisesse, a minha cadela.

Passei pela cozinha e abri a porta da área; encontrei-a estirada no chão sobre suas próprias fezes, as patas desconjuntadas e abertas para os lados.
Senti um cheiro terrível(que pareceu impregnar-me por meses), tive ânsias de vômito, mas consegui dar uma limpada rápida no chão e colocar o corpo desmantelado de Sara numa grande bacia dentro do carro.

Na estrada,  enquanto atravessávamos a cidade até o veterinário, Sara e eu conseguimos nos acalmar. Abri as duas janelas para ventar bastante e coloquei Velvet Underground no som do carro - imaginando que cairia bem ao gosto musical da cadela.
A mim me parecia agradável dirigir assim, acabava me sentindo em casa. A vira lata também parecia não incomodar-se com nada; tinha suas orelhas de beagle flanando ao vento, os olhos fechados e uma expressão serena. Parecia na verdade muito satisfeita. E seu focinho farejava prazerosamente os aromas da cidade potencializados pelo vento que vinha da janela. 

Chegamos por fim ao hospital veterinário. Na recepção me disseram que iriam demorar um pouco a atendê-la. Os donos esperavam nas cadeiras com seus respectivos cães. Havia muito sangue no chão vindo de uma sala ao lado, onde pareciam ter efetuado uma cirurgia de emergência.

Esperei fora do recinto, num banquinho ao ar livre, Sara estirada sobre um travesseiro velho e imundo na bacia. Algumas velhinhas simpáticas vieram e fizeram um carinho na cadela, disseram que era muito bonitinha, que dava dó de ver, coisas assim. Acharam que a cadela estava magrinha, e parecia mais nova do que a idade que eu presumia(17 anos). Sara adormeceu tranquilamente seu sono da tarde, já envolta por moscas.

Esperamos bastante, o clima era agradável, mas eu tinha náuseas e mais nada a fazer. Automaticamente me pus a olhar para a tela do meu celular. Pensei em ligar para todas as minhas ex-namoradas, mas não tinha realmente vontade de falar com nenhuma delas. Eu havia sido desobediente a cada uma delas, e agora era evitado como um cão de rua. Fiquei ali remoendo o meu cão interior. Quanto mais eu pensava nisso, mais escroto eu me sentia, porém não deixava de ser um entretenimento dos bons.

Olhei para o lado; Sara dormia profundamente. Parecia que ela havia por fim aceitado. Aceitado as moscas, a bacia, ou qualquer coisa que o destino lhe apresentasse. Não sei se um dia ela teve medo da morte. Não sei sequer se para ela a morte existia como um fim. Ela não era um cão genial, nem de muitos compromissos. Faltava à ela essa alegria incondicional dos cães.

2 dias depois ela foi "sacrificada". Não pude testemunhar nada, aliás quando soube já havia acontecido.