sábado, 29 de dezembro de 2012

o odor que o gato exala pelo seu rabo.


Agora essas criações-relações ilusórias recaem sobre mim como uma sombra de memórias vivas e incompartilháveis. Caso as esqueça, ninguém poderá me lembrar delas, e o mundo continuará sendo o mesmo. Me chamarão pelo meu nome próprio e me contratarão como capinteiro sem nunca saber do que fiz como músico, poeta ou artista, enquanto eu achava que não era nada. 

Há um odor de gato no ar. gatos exalam odores, e eu não sei aonde eles querem chegar com isso.

Me sinto sempre prestes a me tornar qualquer coisa. Como um objeto por trás de um véu, ou um mímico. 
"…o espectador aguarda com olhos implacáveis, ora cheio de tédio e desdém, ora alegre e irritadiço, ora frio e altivo, pelo desvendar do sujeito em questão".
O fantasma de um gato com ossos protuberantes.

E hoje me permito ser auto bajulador em minha escrita. É algo inevitável quando há fluxo honesto de consciência. Todo amor é, a princípio, narcísico. 
Ando me sentindo fraco frente à tudo que a vida me disse através de meu corpo. Coisas sobre pureza, alegria e poder. Mas resta muito pouco da vida que por aqui já passou - espero um dia apenas fazer um humilde mosaico com os cacos. Que essa seja minha atividade derradeira.

Já pedi licença à todos os meus fantasmas para ser poeta. E eu disse a ela "eu PRECISO de ar, aqui tá muito quente, e não vou ficar aqui sentado sendo hipócrita. eu VOU vomitar nesse sofá se não me deixar sair daqui." A velha simplesmente aceitou, balbuciando qualquer coisa sobre os dias de hoje. Como um gato com ossos protuberantes, aguardando.

Sangrei sem ser santo nem mulher. "Coitado, queria virar pó quando crescesse. acabou se tornando apenas um homem com uma curvatura duvidosa nas costas." Replicou.

"Aqui estão algumas cicatrizes", eu disse, mostrando os tendões costurados e um pedaço de dedo que também costuraram de volta.

...mas ainda hei de sangrar mais profundamente, até que em meu rosto e em minha pele se formem mapas com cada detalhe da minha existência insignificante. Construirei um universo para os vermes que consumirão meu corpo, assim como hoje eu consumo essa terra sem nenhuma piedade. Será o único bom negócio que farei em toda a vida; a morte. Estarei livre de me gabar.
Pouco antes de morrer, sentirei um imenso alívio porque a transação foi efetuada com sucesso entre mim e a terra; bosta e vermes por testemunha.  Estarei enfim, livre das obrigações de ser um sujeito individual.

Será um milésimo de segundo de extremo prazer, e o paraíso será apenas uma miragem pouco antes que eu me divida, diluído pelo ar rarefeito.


Eu entendo e até admiro homens  que conseguem criar através da disciplina um universo supostamente completo e auto-suficiente. Mas essas pessoas simplesmente funcionam de outro jeito, como um instrumento musical que se ligasse à pilha, enquanto outros ligam somente à tomada.

Pertencer à fonte, depender de algo maior e sempre mais belo. De certo é um diagnóstico que se encaixa em nossa geração, filha de hippies deslumbrados que reergueram-se de seu declínio, e hoje nos sustentam através de trabalho compulsivo.  Filhos de uma juventude tão bela e livre que, só de pensá-la, tenho nojo de mim. Preciso de tomada.

Veja aonde eu cheguei. Me formei, agora tenho um diploma de zero à esquerda. O mundo se apresenta à minha frente cheio de estímulos irritantes. Vejo ao meu lado que todos estão sentados em seus computadores, e que o individualismo é a nova pátria; acima de tudo, deve-se honrar a si próprio com festas, músicas, pulos de pára-quedas e brindes barulhentos, e assim foge-se da realidade(essa que andou perdendo a substância para os de nervos mais frágeis). 

Quanto a mim, agora posso escolher por viajar, trabalhar, namorar…tudo, é claro, dentro das cicatrizes em meu currículo. mas não me presto a sustentar qualquer uma dessas escolhas. Entre uma vida entediante e uma outra completamente agitada, gostaria de escolher o meio. Foram do ócio e da instabilidade que retirei as dádivas da minha vida, e não desse desse suor imundo que inunda os esgotos. 

De certa forma estamos todos fodidos e fartos da idéia de que seremos idosos desprezíveis. 

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Olhei para um céu metafísico apenas para me certificar de que sua estrela não ardia em parte alguma.

Jantei com um véu, ele falava comigo mais do que eu com ele. Lá fora a noite cinza não me convidava à parte alguma. Fiquei para ouvi-lo dizer do meu desejo e do meu amor e de vermes. Ele não parava de dizer seu nome. Ainda não sei nada sobre você, apenas do que meu desejo é capaz..

Vi uma mulher amarela, estive à beira de um precipício. Você agora me diz que eu deveria ter pulado. 
Se volto a você então é por que quero ser arrebentado. Quero expurgar esse amor nojento dos meus nervos.

Você sempre teve vontade, mas nunca me bateu mesmo eu insistindo. Preciso me certificar de que sou um animal irracional que reaje convulsivamente à sua presença. Não sou poeta, sou científico. Dê cá minha vontade de viver de volta.

Uma mulher-titã de três lindas cabeças diferentes; você, ela e mais outra.
Não, nem você nem ela. São todas, e ao mesmo tempo nenhuma delas. Mudam a cada momento.
Que é o labirinto da cidade para um mulher titã? Nada mais que um tabuleiro de jogos. Sou uma peça desprezível, mas que é bom se ter aos montes. E o sacrifício ocorre sempre no momento correto. Morro e salvo o rei que nunca fui.

domingo, 16 de dezembro de 2012

plantando dúvida

Não que eu não me lembre do conteúdo dos livros que li. Mas raramente consigo me lembrar diretamente quando me perguntam "sobre o que fala esse livro?". Numa situação dessas não consigo acessar minha memória, tanto para livros quanto para filmes(filmes costumam ser mais difíceis).
Esses livros depois de lidos se tornam formas, pensamentos arquivados sob uma espécie de código ou algo assim. Preciso de um estímulo para relembrá-los, como preciso do cheiro para revisitar certas emoções. Uma coisa leva a outra, e logo se consegue reconstruir o formato da lembrança.

O importante é não encalhar na linguagem. Não conseguir transmitir algo essencial da sua personalidade, ficar preso nas malhas da linguagem, isso leva à loucura. E talvez grande parte da loucura social esteja relacionada à isso, tanto que a insanidade foi gradualmente transformada em lugar comum. Se perder dessa forma atualmente é desesperador, visto a liberdade que os publicitários(cínicos por escolha própria) se dão para manipular através da palavra. E enchem cada vez mais os escritórios de psicologia, e assim nós gastamos nosso dinheiro por uma hora e meia de atenção duvidosa, quando nem sequer sabemos verbalizar nossos desejos. Temos que ficar repetindo várias e várias vezes, e o psicólogo detecta os pontos em que o inconsciente se deixa revelar. É legal, mas não deveria ser tão complicado assim, deveria? Porque é que nossa educação nos condiciona a não tomar conhecimento de nós mesmos, quando deveria exercer o papel contrário? E porque é que não podemos nos afirmar de forma única sem sermos tachados? Sem que reafirmem sempre, afundados no lodo de suas cabeças sedentárias: você é diferente.
Por que é que, mesmo numa cidade grande como essa,  a vergonha é generalizada? Tenho a impressão de que estou vivendo num eterno jardim de infância por aqui.

Pessoas sãs conseguem se locomover na linguagem, transferir, sublimar, relativizar. Essa liberdade de movimentos se conquista apenas com a diversidade de meios(arte como meio de expressão), ou mesmo com o conhecimento de outras línguas e culturas, tão complexas quanto a materna. Não é uma questão de se resolver, mas de se diluir na linguagem e através dela. E nem todas as línguas permitem uma expressão fluida, creio que o próprio português, tal como o usamos, careça de formas de expressão.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

melancolia

Nada mais tradicional do que a melancolia. A boa e velha retração da libido, artimanha dos incapazes; o convívio com o objeto amado apenas dentro de si.

Quer destruir a quem você ama? destrua a si mesmo, diz o slogan do melancólico autosuficiente. Quer amá-lo? Se ame(doce melancolia). Um sujeito que abrange dentro de si o objeto que ama, mas nunca conseguiu alcançá-lo realmente. Um verdadeiro heremita na multidão.

Pensem bem antes de dizerem que não são ou nunca foram melancólicos. O mundo é cada vez mais melancólico, basta ver cada pessoa encerrada dentro de si, "entretida" com si própria, perdendo a fé no outro como objeto real, elegendo a si próprio como "outro". Todo mundo se torna "Alternativo" para si próprio. Todo mundo muito bonito e fora de alcance.

melancolia não passa de uma doença com nome bonito.

E quanto mais se elimina a distância entre nós e as imagens, mais distantes estamos do outro, mais dificilmente podemos verificar o que é conviver, mais facilmente podemos declarar estado de luto por todos que ainda vivem.

Se isso está certo, se isso é mais real ou melhor do que procurar no mundo externo falido em que vivemos algum tipo de amor concreto? Não me pergunte, eu já passei por todo o processo da melancolia na adolescência tomando isso por uma "filosofia" pessoal(se bem que era).
Vale ressaltar a total contribuição das outras pessoas em frustrar constantemente nossas expectativas, em ferir-nos exatamente no mesmo lugar muitas e muitas vezes.

Se abandona então o esforço em relação a elas e o mundo interior ganha espaço. E, ah, se você tiver talento com isso, realmente você terá muito a ganhar. Sem se arrastar no asfalto pelas pessoas que insistem em atropelar, irá cultivar um certo sentido dentro de si que ganhará vida(repito, se você levar jeito pra coisa). E talvez um dia tenha que vomitar isso de volta para o mundo na forma que quiser. Seja esperto e pense em algo bem artístico, e de preferência encubra seu narcisismo com milhares de sentidos(o consumismo, o fim do mundo, a crise na grécia).

Eu não sei muito bem onde me encontro, provavelmente em algum lugar entre a falência generalizada e a perfeição.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

baiana

Olhei pela janela, a favela estendida sobre o morro.
Casas de tijolo se confundiam, uma ou outra verde água ou cor de creme como manchas pintadas, pontos de luz sobre uma pele sépia.
Olhar com atenção para as ruas pequenas dessa favela por entre as mangueiras de um verde escuro me dá uma pequena sensação de nostalgia. Penso em outra sociedade quando eu vejo as motos subindo aquelas vielas, pessoas se cruzando com sacolas plásticas, subindo e descendo ruas que à noite se tornam perigosas.
Penso em uma baiana negra carregando sobre a cabeça uma cesta com qualquer coisa dentro, talvez o peso de uma vida inteira, numa outra cidade qualquer onde vive-se por viver. O sol dessa tarde bateria sobre os ombros dela, e eu aqui sonhando dentro do apartamento.
Não que eu queira  ter uma vida difícil ou uma pele bronzeada, mas gostaria de poder caminhar com algo na cabeça numa tarde como essa, apenas como  um pretexto para estar ali e cumprimentar as pessoas, tendo o sol em comum.
Esse tipo de simplicidade que individualismo nenhum compra, que não pode ser conquistado através de planos, cronogramas ou padrões. Esse tipo de coisa sublimada que quando nos damos conta, nós perdemos, e quem perdeu, ganhou(a infância de volta).
E eu estou apenas imaginando essa cena, me certificando que faço parte de uma classe média que só aumenta e engorda e vai escorregar na praça do papa aos domingos.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Mancha de cor

mas olhar-te; minha maior dificuldade desde criança, ver qualquer coisa. Mas aí implicaria ver com o corpo todo, e isso poderia fazer, imagino, mas não dessa maneira.

sua visão me ultrapassaria como se eu fosse apenas um detalhe na perspectiva, quase sempre desfocado na sua máquina de ver, e eu agradeceria, cheio de secreto júbilo, por ser parte do enquadramento.

Nunca se vê na foto se esboçei foi um sorriso ou se disse alguma coisa com os olhos - apenas um borrão, uma mancha de cor.
Eu: um homem sem foco.

Foram poucas as vezes que seus olhos se focaram nos meus. um olhar concentrado negro e fluido.
Você em plena saúde física e emocional e eu perdendo as calças da minha alma - ambos na flor da idade.

Nunca voltei a realmente sofrer daquela maneira, em plena luz do dia, sem tocar em nada ou fazer qualquer barulho..nem mesmo compreender coisa alguma. Em outras palavras, nunca vivi tanto, e em estado tão deplorável.

dor tão visceral a daquele tempo, que hoje tudo quanto diz respeito a você faz todos meus sentidos implorarem por vida. Te querer não é uma opção: é um instinto.

Percorrer-te com os olhos me deixaria satisfeito, agora que sei sublimar o excesso e cortar meus impulsos. E ser um detalhe desfocado, porém radiante de felicidade nas fotografias.

domingo, 9 de dezembro de 2012

Amor vertebral

Amor platônico não diria, diria sim talvez um amor que sofre de sublimação precoce. O desejo, se existe ou existiu, se morreu, se virou slogan, música, canção, pintura, foto, texto, camisa, suor, não sei.
Sei que grande parte foi sublimado, sustentado por um anzol em cima de nossas cabeças e por isso que existe há tanto tempo e por isso não dá nem vontade de realizá-lo. Como uma coisa pode parecer tão mais bonita dependurada de cima das cabeças, tampando um céu grande e absurdo, tanto que não ousemos nem acreditar em Deus, por favor. Um bilhão de coisas estão se atraindo o tempo todo, instinto é algo muito mais intricado do que a gente pode imaginar. Está ligado a realidade absoluta, essa que a gente pode ver ou imaginar, mas é difícil tocar, e se dá pra tocar, é difícil ver ou imaginar. Um bilhão de coisas passando pelos cerebelos sustentados por uma coluna vertebral forte e definitiva. Não penso em voltar a andar de quatro patas, acho que a dúvida aterradora já me amedronta o suficiente para se tornar alimento.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

por aqui costumamos criar nossas feridas por nossa própria conta.
uma cidade grande, um rio de cumplicidade em meio a um mar de sangue,
meus amigos, minha própria casa.

sei que deveria sair, mas se não se importam os bem aventurados
consigo cuidar das minhas mazelas sem fim nem ponta
por aqui, por minha própria conta.