sexta-feira, 29 de agosto de 2014

22:40

22 e 40, voltando pra casa depois de um dia cheio; trabalho, bar e aula na faculdade. Aqui estou de novo percorrendo o túnel da noite com meu carro.
Dirijo fumando um baseado na avenida, pra ver se dou uma animada. Minhas lentes de contato definitivamente não curam o astigmatismo, vejo fantasmas de luz, mas tudo certo.

Faz muito tempo que acidentes não me acontecem, incrível. Agora o trânsito tá parado faz tempo. Não posso movimentar meu corpo, não sei se coloco a mão no volante.
Imagino a mim mesmo ali, dentro do 4x4 parado, um ponto em meio à trama simétrica das ruas. o homem nasce da terra, se alimenta da terra, morre na cidade.
Mas que saco, que bad, ligo o rádio e toca rap, beleza. O refrão da primeira música diz “Fuck da Police!”. Me ajeito no banco, balanço a cabeça - é isso aí, foda-se a polícia. Foda-se o trânsito.
A rádio agora toca “Mind is Playing Tricks on me” do Geto Boys.

At night I can't sleep, I toss and turn
Candlesticks in the dark, visions of bodies bein' burned
Four walls closin' in gettin' bigger
I'm paranoid, sleepin' with my finger on the trigger
My mother's always stressin' I ain't livin' right
But I ain't going out without a fight
See, everytime my eyes close
I start sweatin' and blood starts comin' out my nose
There's somebody watchin' the Ack'
But I don't know who it is, so I'm watchin' my back
I can see him when I'm deep in the covers
When I awake I hear a call burnin' rubber
Vejo três carros de polícia que ocupam metade da avenida, uma espécie de procedimento de segurança, homens farejando homens. Aqueles caras sabem que eu estou doidão, eu sei que eles já devem estar sabendo disso, mas fico frio e passo por eles tranquilo. O trânsito desaparece, me sinto salvo, salvo de figurar nessa maldita crônica cotidiana, livre pra ir pra casa, entrar no quarto, tomar vinho de mesa e ouvir som no fone. Que merda, tanto faz.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

O Vigia


-Me sinto um imbecil prepotente
estupidez minha, acreditar que sou prepotente
sofrer com os monólogos de um cara doente - o Vigia,
que me persegue pela vida e me suga as energias
nada concreto
o Vigia é produto do meu subconsciente,
um jeito da ideologia
dialogar com a raiva.
Com o Vigia por perto, é difícil que algo de diferente
aconteça, que alguém me ame
assim de graça.

O Vigia é um cuzão,
foi criado com base em modelos reais
de cuzões espalhados pela cidade
você sabe; o interno e o externo interconectados
capitalismo selvagem do alheio ao privado
o inferno intersubjetivo
a ideologia, Jesus Cristo
o caralho.

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Aspiradores de Pó

No caminho, passaram pela antiga Escola de Artes e Letras. Alberto, que já estudara lá, olhava pela janela como se sonhasse. Sem que ninguém o perguntasse, começou a falar desbaratadamente.

- Eu esmurrava a ponta da faca com todas as forças. Eu pintava com culhões. Eu fotografava como um macaco.  Percorri esse deserto informacional que a arte tenta em vão abarcar. Confiei meu coração à areia quente. Eu dizia algo: tudo voltava para mim em uma linguagem leve, abstrata e técnica. Talvez a linguagem do pó.

- Os que aspiram a uma carreira artística aprendem a usar a linguagem de forma diluída. No texto e na fala, suas palavras parecem imergir de um repouso. Não têm nem voz. Fazem poesia feito ready made. Não curam ninguém. Não dão prazer. Não atraem crianças. Não atraem mulheres. Não atraem moscas; sequer fazem parte do mundo, abolidos do fluxo magnético terrestre. Logo, pertencem ao mundo da higiene. São protegidos e alimentados pelos comensais da higiene. Se ganham dinheiro vão para orgias, mas só transam se tiverem vontade, o que raramente acontece.

Um silêncio enfastiante preenchia cada canto do carro.

- Não sei quanto a vocês, mas eu já não compareço à exposições. Verdade seja dita, obras de arte não me interessam mais do que o mundo. A arte pra mim não está acima, mas adere à superfície das coisas. A arte é onde estou. O problema dos artistas é que eles estão sempre , nunca saem de ; se eles não estivessem lá, as pessoas iriam de bom grado visitar galerias de arte.

Frágil

Me sinto minúsculo frente às crianças. Posso brincar com elas por um longo período de tempo, mas me envolvo tanto que saio chorando. Bato a porta do quarto e escrevo.

-

Era verão. Estávamos na casa de praia da vovó. Um quiosque de palha, ao lado da piscina, ocupava uma pequena porção do quintal da casa. Passávamos nossas tardes por ali, 8 primos, uma prima, mais outros meninos e meninas da vizinhança. Todos mais ou menos na puberdade. Eu encarava esse processo como a maioria das crianças: era estúpido, perverso e teimoso.

 Nesse dia havia entre nós um menino esquisito; o filho da empregada. Ele devia ser talvez um ano mais novo que eu. Era magro. Achava-o simplesmente sem graça. Tudo nele era-me indiferente, e eu tinha mais o que fazer para ficar analisando os outros. Mas o filho da empregada, em pouco tempo, já tinha ganho entre os meus primos uma reputação das piores: burro, feio, e principalmente fraco. Seu nome era Valdecir.

O Valdecir ganhou fama de fraco por causa da queda de braço. Estavam brincando disso e ele perdia de todo mundo. Eu não gostava de participar da brincadeira, mas assistia com prazer aos outros competirem. Valdecir perdia todas. Me agradava ver meus primos vencerem-no e uma saraivada de chacotas recair sobre Valdecir. Me sentia sinceramente embriagado e comovido com aquilo. "Então", pensava com meus botões, "Valdecir é magro, burro, feio e fraco".

Eu peguei Valdecir pela mão e levei-o até a sala de televisão, onde minha mãe e minhas tias assistiam à novela apertadas no sofá. Exibi-o como uma criatura exótica, trazida do quintal. Anunciei o desafio: "Vejam, como venço facilmente na queda-de-braços Valdecir!" Nos ajoelhamos os dois no chão da sala e unimos nossas mãos. Valdecir estava determinado.

As risadas irromperam na sala, risadas cruéis de mulheres na faixa dos 40 anos -  como risadas de criança, porém mais perversas. Valdecir também riu, triunfante. As tias parabenizaram-no, comemoraram a vitória do filho da empregada, e depois, repentinamente, como se nossa disputa se tratasse de um mero intervalo comercial, voltaram as atenções à novela. Eu fora zombado por uma corja de mulheres de meia idade.

Saí correndo da sala de televisão e fui me encolher entre dois sofás na sala de estar, no canto da parede, como se eu quisesse me tornar um abajur, uma cabeceira ou algo parecido. Ali, eu senti o golpe, toda a humilhação em dobro. Nada, absolutamente nada em mim era digno de louvor. Não havia como encontrar razão honrosa para meu ato. E eu me tomava a sério demais para não me sentir amargamente desolado.

sábado, 28 de junho de 2014

amor(2)


Os amores estão ficando gastos. Até eu, que me proclamava guardião de todos eles, esqueci o que sentir.

Se ao menos eu recebesse algum sinal do tipo "eu te amei, mas você não sabia". Aonde estão aquelas meninas que me mandavam cartas na infância? Eu queria saber de tudo o que perdi. Parece que foi muita coisa. Eu queria ouvir isso da boca das infelizes que um dia me amaram. Mas ninguém está disposto a me contar uma história. Criemo-la, ora pois.

O que eu sei, de verdade, sem criação(mesmo), é que quando eu estava na terceira série da escola, havia um dia especial em que os meninos e meninas participavam do Correio Secreto. Nós deveríamos escrever cartas amorosas - supostamente anônimas - e mandar para alguém do sexo oposto. Eu queria Maria Alice com toda minha alma. Eu escrevi uma carta para Maria Alice. Não me lembro do que havia escrito, mas foi algo genial.

Em troca recebi uma carta de Maria Carolina. Um rolo de papel no qual estava escrito '600 eu te amo'. Maria Carolina não era lá essas coisas.
Eu não contei, mas pelo rolo ser do tamanho de um pão de sal, presumi que eram mais de 600 eu te amo. Tudo escrito com força numa letra cursiva grande. Que azar o meu. Saí da sala de aula em prantos.

Em casa, ainda pensava naquilo durante a tarde. Eu tinha 11 anos, e me via diante de um dilema comum da vida adulta. O telefone de minha casa tocou. Era Maria Carolina. Essas pessoas sempre descobrem nossos telefones, mais cedo ou mais tarde.

-Alô?
-Alô, Davi? Você gostou da carta que eu te enviei?
-...Sim.
Ouvi uma risada maníaca, misteriosa, e depois telefone ficou mudo.

Era isso. Eu tinha oficialmente selado o meu destino; Maria Carolina me amava, e eu dera esperanças para sua obsessão. Eu estava consternado. O que Maria Alice iria pensar? Essa  é a pergunta que ficou sem resposta. Nunca soube o que Maria Alice realmente queria, e ainda não sei o que meus outros amores(que são como subprodutos de Maria Alice) querem. Elas nunca me mandam cartas, rolos de papel, declarações extravagantes. Apenas aparecem; flores no asfalto esperando para serem violentamente esmagadas. Elas são como Mister Magoo, cegas e ingênuas, e eu como um palhaço do destino. Um fantasma, um bom ou mau agouro. Eu sou como um presságio.

Se eu pudesse voltar ao tempo, eis o que faria: pegaria nas mãos de Maria Carolina. A levaria para passear no recreio e, sem ter medo das chacotas, faríamos um pic-nic no meio do gramado. Faria tudo o que ela me pedisse. Nesse ponto, Maria Alice estaria a meus pés. Mas eu não daria atenção a ela. Não daria atenção a ninguém. Apenas me concentraria em obedecer as ordens de Maria Carolina.
Porque é preciso render-se ao amor de outrém. Derrotado, comemora-se a vitória do outro.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

O Cão

É um dia azul e frio. Olho distraidamente o cão atravessar a rua para a praça. O animal parece estar numa espécie de encantamento; ele é alegre com toda a alma. Que seja irracional, isso é coisa que não importa aos passantes, que o tratam como um saudoso amigo a quem não se via há muito tempo.
O cão se afirma. Basta a ele saber que existem praças, bosques, jardins, portas, janelas e postes. Basta estar sonhando para viver. Passa-se o sonho, e já é a vida diferente do que era antes, um outro sonho talvez. Eu observo o cão, correndo em direção à lata de refrigerante jogada por uma criança. É outro tempo no qual ele vive. Seu focinho trabalha freneticamente para captar o que quer que seja. Não muito longe, ele reconhece pelo faro as fezes de uma cadela no cio; o cão entra em êxtase. Os passantes, mulheres e homens, param e coçam sua barriga, acariciam seu pelo, beijam-lhe o focinho úmido. O cão é o homem que ficou no Éden.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Nós estávamos dentro do cinema, numa cama para dois. Um filme era projetado na tela, mas não me lembro do que se tratava. Peguei ela pela cintura, e começamos a nos beijar ali naquela cama/poltrona. Ela então se colocou de pé sobre a cama para tentar tirar sua calcinha, tropeçando nos próprios pés. A nossa relação era baseada em acordos tácitos; ela tinha liberdade para se soltar(eu a aceitava mais do que os outros), e eu não tinha obrigação de dar satisfação a ninguém sobre meu "amor". Um homem atrás de nós soltou um resmungo. Tudo aquilo se tornava extremamente desconfortável para mim. Ela se atrapalhava com as suas roupas, eu fitava sua barriga branca infantil. Eu só queria que ela parasse com aquele transe histérico - que já estava atraindo a atenção dos demais -, que se deitasse em meus braços e me beijasse por um longo período de tempo. Então, de uma hora para outra ela saiu andando rapidamente, descendo pela sala até sair do cinema.
Eu não ousei sair de onde estava: esperei até o filme acabar. Tinha um mau pressentimento. O filme acabou, eu saí da sala e fui dar num estacionamento labiríntico e deserto. Comecei a correr, a descer os andares do que mais parecia ser cenário de filme policial. Um menino de uns 13 anos, branco, cabelo loiro raspado, saiu de um esconderijo (pelas vozes que ouvi haviam outros meninos ali), e deu de cara comigo. Olhei pra ele assustado, e ele me estendeu um baseado mal bolado, "quer?". Dei uma boa tragada e continuei descendo. Encontrei um Mcdonalds fechado. Pensei, "deve ser por causa das manifestações" e continuei perambulando, procurando por gente, procurando aonde estava o movimento. Mas a ela eu tinha certeza que havia perdido.

terça-feira, 17 de junho de 2014

amor

a mão dela encobre um sorriso estranho, pois poderia bem se tratar de um suspiro, prenúncio de bocejo ou mesmo pranto. os olhos estão fechados e parecem conter algo, assim como o sorriso. o sorriso me preocupa.

minha obsessão é por um tempo que se recusa a passar. hoje tento acolher aquilo que amei, ainda que o desprezasse anteriormente; mas, quanto a Ermina, não há nada que se fazer; ela vive dentro de mim como uma embalagem esquecida num deserto. procurá-la seria tarefa tão penosa quanto inútil. mas ela continua ali, bailando no vazio imenso de uma época - logo ali onde perdi a razão.

recomeço tudo de novo; as mãos, trêmulas, não escondem nada, e o sorriso é mais um esgar - pode indicar timidez, mesquinhez... mas não quero ficar especulando coisa alguma baseado apenas em meu preconceito sobre essa foto, bem razoável aliás. O rosto pálido e angelical me preocupa, tal como a uma mãe. Sinto uma compaixão incômoda por essa moça; pode ser que ela seja mais frágil do que eu imaginava. Pode ser que o esforço dela para manter a compostura seja tanto maior quanto mais gelado for seu coração. Tudo isso pode ser que seja. E aí começa o delírio, o fanatismo, a mitologia, a religião e também o amor; essa palavra azul calcinha que falha foneticamente em expressar um significado aberto e puro. Odeio também a imagem do coração, aqueles dois semicírculos curvados um sobre o outro. Odeio que me digam por qual órgão devo sentir amor.

Sinto por mim grande desprezo.
Eu, supostamente tão engraçado e simplório, sem poder desviar-me da sombra de Ermina, caí honesta e terrivelmente, perdendo as calças da hombridade, perante a sociedade imaginária que vive em meu cérebro. Surtos acontecem e são como os gases estelares que explodem no universo de vez em quando; não há nada de errado com isso.

Como auto defesa instintiva, opto hoje por crer no ridículo(e mais provável); pouca diferença faz a minha existência para essa criatura. Se eu quisesse fazer disso um romance eu seria um personagem, o Lunático. Eu não poderia jamais ser o narrador onisciente dessa história - apesar de ser autor dessa espécie de crônica imbecil que escrevo agora.

O narrador da história que não existe - mas eu gostaria de ter escrito - deveria percorrer o íntimo dos meus pensamentos, contar o mundo através de minha ótica alucinatória. relataria cada coincidência, cada progressão da minha patologia. o universo intrincado da minha ilusão se tornaria preciso a ponto de convencer aos leitores. Então, que maravilhoso seria, todos sentiriam compaixão por mim, esse palhaço imbecil.

Mas, o escritor construiria esse universo apenas para destruí-lo depois, e demonstrar a supremacia do tempo sobre a mente humana; sobre como as pessoas se enganam para viver poeticamente, e com isso acreditam superar o tempo. Sobre como a literatura é besta quando virada para o próprio umbigo. Sobre como tudo o que eu escrevo é assim, e alguma tirada cretina do tipo "porque você está lendo isso?"

O narrador não poderia jamais saber o que se passava na cabeça de Ermina, se é que alguma coisa se passava. Ninguém saberia dizer. Eu coloquei-a num imenso pedestal; às vezes olho lá pra cima sem saber se ela ainda está lá, se morreu, ou se precisa de comida. Mas eu já me conformei com a qualidade de idéia que ela tomou. Me seria mais útil assim do que viva. Não um sacrifício; uma idéia, através da qual posso me guiar. E se dizem que a linguagem é um sistema tão complexo, sou eu esse decifrador. Sou um imbecil como qualquer outro, percorrendo minha parte do labirinto.

Alguns amantes podem vir a se encontrar no labirinto; então, a glória que é percorrer todo esse nonsense de mãos dadas. Mas nem todos dão essa sorte. Mas eu prefiro pensar que nem todos têm essa força, e eu não digo força, como força moral. A força espiritual prevalece sobre a força moral. É claro que faço apenas uma idéia do que estou falando. Mas é apenas sobre isso que a linguagem me permite dizer: idéias, fogo-fátuo, ilusões imbecis que apodrecerão na mente de meninas imbecis, como eu, imbecilizado por toda essa idéia de amor.

Foda-se!

isso foi

hoje tomei um copo de suco, um café, fumei um cigarro e uma ponta. o resto da manhã passei imerso em devaneios, escutando músicas feitas por seres humanos geniais. pensei em tudo o que as músicas me sugeriram que pensasse, inclusive em você. meus hábitos não são dos melhores, e minha saúde sofre as consequências. me sinto terrivelmente bem. agora eu como uma torta de morango que alguém deixou na geladeira. estava com saudade disso - de ultrapassar os limiares, de enfadar-me até o ponto de me sentir próximo de mim mesmo. a rotina é tão excruciante, são tantas as pressões de convivência que acabo perdendo, por um tempo, minha capacidade de discernir livremente. sinto apenas um impulso irracional, como um bebê em meu ventre chutando e esperneando. passo então a fumar cigarros - quero matá-lo - beber, me dopar. não suporto sua existência. não suporto minha consciência, não suporto que ela seja anterior à realidade, que esteja entre mim e o que quero ver, tocar. que esteja entre mim e as meninas. mas não há outra forma. eu existo a partir de alguém, de um sujeito, de uma idéia completamente desvairada de mim mesmo. essa idéia é deixada à revelia, e ela muda, muda o tempo todo. está sujeita a qualquer tipo de difamação, é vulnerável como uma planta. sacrifico essa planta para chegar até algo palpável, a um pedaço de realidade que eu possa agarrar, perverter, mesmo que esteja passado, que não seja presente. ao menos isso foi. essa é minha recompensa.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

tempo da ilusão

de tempos em tempos vou arrumando minha cama de ilusão
ela é mais doce, serena e pura do que a realidade é
coberta por inúmeros lençois de fineza indiscernível
da vida tal como vista pelos olhos do poeta palhaço

às vezes eu me deito nela e olho para o teto
espero por nada, amo o tempo da preguiça
sabendo ser tudo passageira ilusão
que me amamentará no tempo da velhice.



domingo, 8 de junho de 2014

em uma noite de domingo tanto faz. nada faz, nem precisa fazer sentido. escrevo unicamente por preguiça de pensar em outra coisa. minha cabeça dói, meu corpo geme, meus rins trabalham incessantemente. são essas brigas, esse medo, esse álcool, todas essas toxinas se acumulam. muitas pessoas, incapazes de lidarem com questões subjetivas, atribuem os seus problemas à substâncias tóxicas. e então param de beber, ingerem legumes, suco de abacate, água de côco, fazem yoga, e se sentem melhor. mas estão sempre um pouco ausentes; o problema ainda está lá, e acena de dentro. você NÃO é o que você come. não é culpa das toxinas.

o termo "equilíbrio", não raras vezes é interpretado de forma equivocada.

há sempre algo de deliberado em toda situação. se pensamos que não, é porque transformamos nossas escolhas em hábitos. é porque, deliberadamente, somos automáticos. Assim como podemos ter hábito de ingerir substâncias tóxicas, podemos ter o hábito de acordar cedo, tomar café, ir pro trabalho. a diferença é que, da primeira forma, a morte está ali para te dizer: isso é um hábito escroto. isso não acontece com os bons hábitos. com bons hábitos, estamos sempre meio distantes de nós mesmos, nos parecemos mais com o william bonner do que com qualquer outra coisa.

os fins de semana estão ficando cada vez mais difíceis; posso dizer com segurança que meus dias de semana são, em geral, mais agradáveis.

em dias de semana tenho menos escolhas, e meu trabalho é relativamente bem agradável. dentro dele, posso aprender e ensinar. fora dele, onde todas as escolhas me são possíveis, me sinto prisioneiro: não há ninguém novo que aceite um convite para dar uma volta. qualquer coisa é interpretada como uma invasão de privacidade. é difícil demonstrar desejo e interesse por alguém na cidade. é tudo tão velado, tão inútil.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

local proibido
mensagem encaminhada a
: medo
mártir de dia
de noite medo
razão de ser 1- me embriagar,
2 - cavar para encontrar pranto
3 - cometer crime ter castigo
sem o quê nao vivo
eu nao tenho;
eu quero
eu posso,
eu desisto. eu preciso dum rio
de um braço de mar
eles me dão
o que essas meninas não sabem
dar
preciso de um cavalo
e de um pouco de fumo
só.






sábado, 31 de maio de 2014

boa nem má

ela não é boa nem má
ela está cega
porque, boa ou má
se alegraria com as luzes do circo
riria na cara do palhaço

ela não é boa nem má
ela está surda
porque, boa ou má
dançaria ao ouvir essa canção
seduzida pelas musas

ela, não é boa nem má
ela está muda
porque, boa ou má
cansaria-se do espetáculo
pediria pra parar

mas não
ela, nem boa nem má
impassível assiste a tudo
e, tal como Bartleby,
prefere não fazer

/

dilema para os momentos de distraçã




domingo, 18 de maio de 2014

Espantalho


Querer o sol foi demais,
- os Girassóis não são feitos assim, de mim
o Sol se riu
Enfim meu pranto secou.

Deixa pra lá
de tristezas eu me cansei
no campo o espantalho tem um lugar
ilusão que afasta os maus amores;
todos eles que cobiçam suas flores,
que lhe vêem e se lembram de suas dores
e se vão fingindo não crer
na mais bela flor que o medo afastou.

Ele falhou por disfarçar
o que não deveria negar
a esses dias de doce solidão
tecendo armadilhas de amor

Ah!
...
Nesse mundo só o moribundo
pode cantar
e viver
e andar sem qualquer rumo
ou destino nenhum
a não ser seu próprio túmulo.    

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Bjork

Bjork era filha de um rico fazendeiro em Uberlândia. Eu estava de visita no sítio da família. Ela tinha equipamentos eletrônicos que faziam sons maravilhosos, e de quando em vez ela se retirava junto aos seus familiares para fazer sons. Bjork me ouviu tocando uma de minhas músicas no violão. Numa tarde silenciosa ela me acompanhava por uma ponte estreita de madeira japonesa, a essa altura já estávamos secretamente atraídos um pelo outro. Ali, naquela ponte, eu mordi seus pequenos seios púberes, ao que ela respondeu com gemidos agudos, estranhos aos meus ouvidos até então. Com as mãos me colocou para dentro de si, e a partir desse momento eu não ouvia mais nada. Estava dentro de Bjork.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Sobre Recitais de Poesia em Apartamentos

O que eu não gosto da poesia falada(não a cantada) de poetas-mineiros-de-apartamento é o tom monótono que a voz acaba assumindo quase que automaticamente, por alguma razão implícita com a qual não consigo atinar. Do poeta mineiro ao mendigo mineiro, todos parecem padres quando vão recitar. Ouve-se o termo "poesia" e os neurônios - gastos pela falta de ritmo e pelo raciocínio labiríntico carente de matéria vital - fazem conexão direta com o Confessionário, com a Igreja, com a expiação dos pecados.

Não há quem não tenha passado pela situação constrangedora de ser convidado por um amigo mais extravagante a sentar-se e ouvir pacientemente a seu interminável monólogo. Não importa se a poesia fala de buceta, de cerveja, ou de espelho; qualquer palavra soa como a mesma coisa, termina em um mesmo tom rouco e arrastado como se o indivíduo estivesse falando de algo condenável por todos ao redor. Quem ouve tem a impressão de estar arrancando as palavras da boca de um pobre torturado quando na verdade é o "poeta" quem incorpora o torturador, passando verdadeiros sermões católicos sem nenhuma piedade pela alma do ouvinte. Depois da Confissão ele pergunta cheio de pudor "gostou da poesia?" e o sábio ouvinte responde, "doze Ave Marias e dez Pai Nossos rezados e está tudo resolvido. Não se esqueça de sempre dar a todas as palavras um só tom, rouco e íntimo, com aquela gota de vergonha interior que você nunca conseguiria dissimular, e assim deus vai lhe compreender."

Tem algo errado com os atores brasileiros. Vê-se como as novelas andam piorando cada vez mais, e os filmes mais alternativos também se parecem muito com as novelas.

Não que eu considere que pessoas com complexo de culpa não possam dar livre curso ao fel que se precipita por suas bocas, à sua livre expressão(salientando que eu acho mais aconselhável a terapia do grito primal do que a poesia para esse tipo de sintoma). Como qualquer um, sofro de complexo de culpa. Mas há de se ter cuidado; esse lugar da culpa que dizemos ser tão íntimo e profundo pode ser na verdade um espaço raso e fétido como pântano, compartilhado por todos. Não é íntimo nem pessoal; assim como esse texto, é uma generalização. São ordens implícitas, cuja menor infração é imediatamente percebida pelo próximo. Quando somos chamados a palco para recitar alguma coisa, simplesmente não conseguimos falar sem parecer modestos, humildes, enfim pesados e chatos. Reproduzimos a ferida na língua. A obstinação que transparece na voz não é mais do que falácia, revela o tremendo esforço feito para que não se escape uma emoção natural e espontânea. Ficamos à deriva, como maioria não se cansa de repetir em seus versos. Sabemos escrever, mas até o mais extrovertido se compunge ao dizer qualquer coisa que considere sua poesia. demasiadamente humano? ou pouco?

O pior é que às vezes eu tento falar, sai desse jeito também.

É isso. Acho que eu prefiro continuar cantando.

domingo, 13 de abril de 2014

13 de abril, Domingo

Tenho preguiça. Hoje foi um dia normal, como todos os Domingos. Fui ao Planetário, à museus de arte, vi a final do campeonato Mineiro entre os dois maiores times da cidade(ainda não fui capaz de escolher para qual deles torço). Sim, foi um dia normal.
Ontem também foi um dia normal. Acordei 9 horas da manhã, a polícia ligou dizendo que um casal de ladrões havia quebrado o vidro do meu carro – de madrugada, eu o havia estacionado estrategicamente numa ribanceira com o objetivo de conduzi-lo na manhã seguinte até o posto para colocar a gasolina que o carro não tinha. Fui à delegacia fazer o BO; um homem que ali estava disse ter identificado os suspeitos ao fugirem, e que um vestia a camisa do Cruzeiro. Me levaram uma mochila velha que continha nada mais do que 2 cadernos com estudos, notas pessoais, e um livro que eu comprara no dia anterior - “Literatura e Semiótica”, de Décio Pignatari. Pelos trechos que li, parece ser um livro interessantíssimo. Provavelmente foi jogado fora, ou convertido em cerveja, na comemoração do título no dia seguinte.
Tudo absolutamente nos conformes. Tenho profunda consciência de que a Natureza é uma espécie de Messias depravado.


Eu deveria mesmo anotar todos os rastros que coletei, documentá-los, orientar o sentido desses indícios como um detetive? Ou aceitá-los em sua primariedade, como signos passíveis de significados inúmeros?  

domingo, 6 de abril de 2014

6 de abril

Olhei para meu celular, para o nome - Fulana - e apertei no botão ligar.

Me atendeu uma voz máscula, grave e algo nobre;

- Alô?
- ...alô.
- Quem fala?
- esse não é o telefone da Fulana? eu gostaria de falar com a Fulana por favor
- é o Dr. D?
- sim, é o Dr. D.
- eu sou lucas o namorado da Fulana. Ela disse que não quer te evitar nem nada, mas que não quer te ver. ela falou pra você parar de ficar insistindo desse jeito...
- eu não estou insistindo, ontem ela me atendeu, disse que me ligaria de volta depois de pegar sua comida japonesa, e não ligou.
- então, ela pediu por favor, se você pode parar de procurar ela.
- ah, tudo bem. falou.
- ok, obrigado, falou.

Foi tudo muito educado e formal. já havia acontecido antes com Ciclana, mas eu brigara feio com o sujeito no telefone(o ator mirim, uma espécie de Jack Kerouac sem as bolas, se é que ele as tinha). Dessa vez não. lucas me pareceu ser um bom sujeito. é que Fulana não é como Ciclana. Fulana sabe escolher. não foi a toa que Fulana me escolheu quando ninguém dava um centavo por mim.

eu fiquei com vontade de fazer um chá e me sentar em posição de lótus. aquele sujeito soube fazer com que eu me sentisse confortável com meu luto e minha perturbação.
me sinto calmo, algo melancólico, como se o vento tivesse varrido do meu corpo o último fruto, e a terra absorvido toda a água. O outono se apresenta lindamente desolador.

Fulana se foi. Fulana é nobre.

-

de repente, meus projetos se encontram suspensos no ar. o tempo da suspensão, da espera.
mesmo aqueles projetos que iam a todo o vapor, perderam seu impulso inicial como se estivessem sob infuência da lua, gestante de seu lado escuro.
toco um instrumento. parece mágica, continuo progredindo. apesar da meus hábitos mórbidos, nunca estive tão bem. brilho como uma estrelinha.
e as pessoas passam na minha vida, zunindo para lá e para cá, sem ouvir uma nota.
um escritor famoso uma vez disse que elas só chegam na hora errada. e se vão também, antes da hora.

a Copa do Mundo



Sábado 05 de abril de 2014

Se eu for apenas um leitor me tornarei como Eles.

Eles se dão o nome do que quer que seja; esquerdistas, rockstars, anarquistas, intelectuais, cinéfilos, espectadores. Não são mais do que números, agentes da era da informação escravizados pela Meritocracia. São na verdade a ESMAGADORA maioria. Se crêem indivíduos excepcionais, mas caem facilmente nos estigmas da sociedade.
Vivem se debatendo dentro de suas divisões mesquinhas. Seu frágil projeto de Individuação é publicado no Plano Azul-Calcinha e enfim devidamente reciclado em dispositivos miméticos, enlatado e vendido aos botequins.
É impressionante assistir a casos desses indivíduos sendo mimados diariamente pelo seu próprio círculo social. Eles descem pelo ralo junto com todo o resto. Comem capim por um tempo, depois renascem como seres humanos, dizendo que passaram por um período de depressão, mas que já está tudo bem. Continuam na peregrinação rumo ao nada.

O que me alivia e me satisfaz é que, de certa forma, todos desceremos pelo ralo juntos.
Sinto uma espécie de comunhão nisso e durmo tranquilamente. Por outro lado, sou um deles. Sofro constantemente de paranóia excessiva, sou vítima da megalomania, saio por aí procurando distrações baratas. Espero ansiosamente pelo dia em que a Grande Copa me recolha para os campos de concentração; assim estaria junto d'Eles, definitivamente. Faríamos todo o sentido juntos. E o mais importante, teríamos um inimigo em comum bem definido.
Não ficaríamos mais procurando por um ditador para colocar toda a CULPA que nos consome internamente, a nós, consumidores implacáveis. Teríamos um ditador ali na nossa frente, poderíamos enfim dar livre curso à raiva que se assentou sobre nossas colunas vertebrais durante décadas. Isso em si já seria o suficiente para mim. É doloroso assistir a todos esses seres sem história ou relevância social desfilando sua dignidade inutilmente em um plano azul-calcinha.

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Me lembro de um vídeo de família que assisti quando criança, do meu irmão mais velho quando bebê tateando o chão áspero do quintal, investigando a textura das folhas secas. Seus músculos gordurosos e enfraquecidos não eram o bastante para que ele engatinhasse com eficácia. O fazia apenas com muito esforço, e desajeitadamente. Permaneceu assim por longo tempo, imerso num silêncio de concentração. Me parecia inteiramente só em sua empreitada.

Depois, na aula de música a professora mandou que todos os alunos se deitassem, e, de olhos fechados, escutassem música.  Assim o fiz. Escutei uma melodia suave, uma voz de mulher, a imagem do meu irmão e as folhas secas apareceu, e o pranto irrompeu do meu ser, como um rio.
Depois a professora me perguntou porque eu chorava. Eu disse "ELE ME BATEU!" e apontei para um colega, escolhido aleatoriamente.

Contei para os meus pais sobre o vídeo que tanto me emocionara, e eles resolveram consultar meu HOMEOPATA(aqueles que prescrevem bolinhas de açúcar a serem tomadas de 5 em 5 minutos, depois de 3 em 3, e por aí vaí, até a depressão acabar. Você, porém, adquire TOC no final). Ele disse a meus pais que NUNCA, de forma nenhuma deveriam me mostrar os vídeos de infância do meu irmão.
Há dois anos atrás eu peguei todas as fitas antigas e desgastadas e passei tudo pra DVD.










terça-feira, 25 de março de 2014

uma pessoa parada no ponto
tenta parecer ciente de tudo o que lhe acontece
mas para quem passa, sentado no ônibus
a pessoa parece, assim de pronto
tão imbecil quanto qualquer um

meus primeiros dias como burocrata(2011)

Três dias de trabalho e eu já me sinto exausto por ficar sentado dentro de um escritório esperando ordens, sem qualquer perspectiva a não ser de um diálogo com alguma das mulheres do escritório. Eu não quero incomodá-las com minha vontade de sair dali, então acabo me detestando mais, gradativamente.
Finjo não estar entediado, finjo estar estupidamente interessado em alguma notícia na internet enquanto aguardo as ordens, fossilizado, minha garganta, minha voz cheia de horror por estar ali - um simples ambiente de trabalho, com pessoas solícitas e afáveis. Todas elas mulheres, prontas para me enxergarem e dedicarem a mim o mais discreto desprezo, como a uma criança senil. Qualquer movimento é perigoso. Não há chance de enganá-las. Afinal de contas é um trabalho bastante simplório - basta cumprir tarefas banais que visem a continuidade daquele aparelho burocrático.
É indefinidamente pior a qualquer abismo no qual ousei mergulhar de alma.
Entendo agora porque meu pai me dizia tanto para estudar. Talvez se tenha esquecido de dizer que eu estava desde sempre preso a um poste gigantesco e sólido.
Não importa o quão retardatário você é, o grau de sua deficiência mental, o jogo está lá para ser jogado, e por ele, outras pessoas estão se sacrificando infinitamente mais do que você. Então você se pergunta sobre o que é que todos estão falando, o que seria mais real do que esse sofrimento quente e palpitante em suas entranhas?

sábado, 15 de março de 2014

deserto nas mãos


é doloroso ver, lembrar como é que se vê, é doloroso quando passa um clarão de beleza - quem sabe a verdade - mas logo volto a ruminar longe do pasto, passado o presente.

pessoas passivas que não são, e a necessidade de ser por elas.
elas não me preenchem, elas me tiram, me puxam para o palco do circo à meia noite.

é doloroso ver um amigo enganado por sua própria retórica falaciosa
ser livre e não poder mais fazer companhia à miséria que cultivei durante anos.

a minha crueldade não tem fim, a dos meus queridos também não tem fim
penetrando corpos sem vida como se fosse amor, quem pensam que são?

quase dou razão ao amigo, que escolheu a solidão de um reflexo
deixando o mundo pra depois, construindo escombros na ordem das coisas

mas não;
levo um deserto em movimento,
sou o que busco
não me possuo nas mãos.



um texto esquecido numa página de caderno


mensalidade paga, as lágrimas de Lina e seu dedão sangrando sobre seu chinelo vagabundo, obras de arte digital, pinturas modernistas, pinturas religiosas de qualidade duvidosa, um filme tailandês que se chamava "Eternidade" - e essa era de fato sua duração - colchão d'agua, a grama da praça da liberdade. esse foi um dia longo
não sinto ligação. o que sobra, a partir de agora, a partir de qualquer momento...
ridículo.

sábado, 8 de março de 2014

eu queria escrever.

Eu queria escrever. Qualquer sujeito que está começando uma segunda faculdade em Letras estaria escrevendo como um lunático. Acontece que eu não. Eu tenho carinho pelas palavras. Não quero usá-las. Ninguém gosta de se sentir usado. Quero amá-las da forma que não me é permitido amar a todas essas meninas que andam cheias de segredos, sempre se escondendo atrás de homens de sexualidade duvidosa. Que se escondam, pois na arte eu sou o que elas mais detestam; um verdadeiro cúmplice. Mas na vida, posso fingir ser a carcaça de homem que elas tanto acham que eu sou, logo querem que eu seja. Sou raso para elas.
E quando a superfície se quebra, meu abismo engloba seu entorno de pequenos precipícios e lagos profundos. O que se ergue é uma substância amorfa, sublimada, sobre a qual coloco minha assinatura como adorno, sabendo que foram elas. Foram elas que quebraram a porra da superfície.