quinta-feira, 26 de junho de 2014

O Cão

É um dia azul e frio. Olho distraidamente o cão atravessar a rua para a praça. O animal parece estar numa espécie de encantamento; ele é alegre com toda a alma. Que seja irracional, isso é coisa que não importa aos passantes, que o tratam como um saudoso amigo a quem não se via há muito tempo.
O cão se afirma. Basta a ele saber que existem praças, bosques, jardins, portas, janelas e postes. Basta estar sonhando para viver. Passa-se o sonho, e já é a vida diferente do que era antes, um outro sonho talvez. Eu observo o cão, correndo em direção à lata de refrigerante jogada por uma criança. É outro tempo no qual ele vive. Seu focinho trabalha freneticamente para captar o que quer que seja. Não muito longe, ele reconhece pelo faro as fezes de uma cadela no cio; o cão entra em êxtase. Os passantes, mulheres e homens, param e coçam sua barriga, acariciam seu pelo, beijam-lhe o focinho úmido. O cão é o homem que ficou no Éden.