quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

nefasto

Nefasto.

não quero ser o homem ressentido que eu vejo atravessando as ruas.
nunca fiz nada que prestasse no quarto branco desse hospício.

A explicação é muito simples: não brinco com a imagem dela. Eu a tomo para mim, eu necessito dela. Alguns amores têm a deliciosa característica de educar; são Mitologia por natureza. Tem o potencial de arrastar o sujeito para dentro do palco escuro do seu inconsciente.
Ali ele chega a dançar sem qualquer  música, grita, representa o melhor que pode aquilo que não pode negar. Ele diz, "Eu!" para o mundo. Ele é a História, enfim. Em sua vida encena o que ele não sabe, com a ajuda dos deuses que inventou.

Mas mitos são desse jeito mesmo. São como lembranças horrendas.
A cada imagem que projeto, vislumbro uma possibilidade dessas lembranças acontecerem.
Me lembro, e nem sequer vivi nada disso. Quero que isso aconteça.
Eu mesmo queria ser apenas um homem nas nuvens com papel e caneta planejando minha vida: eu queria ser Deus. Quem não queria?

Uns sentem inveja de deus, uns o temem
Outros são ateus.

Mas não acreditar em nada nem é um símbolo de superioridade: acho inclusive, que grande parte dos ateus são apenas insensíveis o suficiente para nunca terem suspeitado de nada. São tão confortáveis e tediosos quanto o Papa.



quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

trecho de "Festa no Covil"

"Estas são as coisas que podem ser escondidas dentro de um chapéu de detetive: o cabelo, um bebê coelho, uma arma pequenininha de balas minúsculas e uma cenoura pro bebê coelho. Os chapéus de detetive não são bons esconderijos.Se você precisa guardar um rifle com balas gigantescas, não cabe. Os melhores chapéus para esconder coisas são os chapéus de copa alta, como os de mágico. Já os chapéus de detetive são bons para resolver enigmas e mistérios. Eu tenho muitos chapéus de detetives, três. Eu os uso toda vez que descubro que estão acontecendo coisas misteriosas no palácio. E começo a fazer pesquisas investigativas, sigilosamente. Não se trata das pesquisas  livres que faço com o o Mazatzin. porque essas eu faço com os livros. E nos livros não aparecem as coisas do presente, só do passado ou do futuro. Esse é um grande defeito dos livros. Alguém devia inventar um livro que dissesse o que está acontecendo nesse momento, enquanto você lê. Deve ser mais difícil de escrever que os livros futuristas que adivinham o futuro. Por isso não existe. E aí que a gente tem que investigar na realidade."

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

"Nel mezzo del cammino di nostra vita
O cari ascoltatori, ti communico
mi trovai in mezzo a un senso unico"

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

extraterrestre

então. faço apenas escrever. sem pensar em ti, naquele que lê  ou no tempo do verbo, somente escrever para exercitar o pensar.  penar por prazer.
já pensou na cara gorda, nos dentes afiados dos peixes capturados na rede do nosso círculo de amizades? e os boçais e gordos, inflados cheios de espinhos? começamos a assumir bizarras formas marinhas subterrâneas.
Já pensou amanhã com que cara vou pro trabalho tendo ficado na frente do computador de madrugada ouvindo minhas próprias coisas, escrevendo minhas próprias coisas, trocando idéias com meus amigos num plano azul calcinha? ainda bebado. hábitos. desses que fazem  um dia escorrer pelos dedos.
Ok. podemos entregar agora nosso gordo tema da escrita que tramamos, a paranóia. Porque a essa altura, certamente alienígenas estarão interessados em nossos pensamentos.
Mas, calma. O que é que temos que interessaria tanto os alienígenas? despertamos o a libido dos nossos companheiros universais? Estamos fazendo contatos extraterrenos agora, mas não nos importa o que eles pensam de nós. yes.we.can. uma pergunta que sempre quis fazer: alienígenas são neuróticos? têm déficit de atenção, TOC, problemas com fumo, álcool, essas coisas? será que teremos que inventar uma psicanálise extraterrestre?
eu não posso escrever, não passo pelo filtro de sócrates, nem pelo meu. o idealismo, uma tolice sublime, essa talvez seja no fim das contas a filosofia que rege minha vida de cujas rédeas não me dou conta. e nem sustento o certo. agora estou pela metade. boa noite.

domingo, 20 de janeiro de 2013

estátuas

à essas personagens da melancolia
que se apagam
e renascem em fotografias
às quais recorro
quando deliro sozinho no meu canto,
perguntaria
se também deliram sozinhas
no seu canto.

humilde poema da tartaruga

Tudo posso nos porões, nos poréns
e na poeira de um universo obsoleto.

Recolho virtudes descartadas à beira.

Nado cantando, canto bolhas de ar
manchas que desmancham na superfície.

Meu costume de tartaruga é debulhar discretamente
 um bocado de doçura do fundo do mar.

Ávido de vagarezas, promessas duradouras,
descanso meu rugor em minha casca dura.

Mas não sou de novidades. Os peixes que passam
me contam notícias de tudo quanto é lugar de passagem

...E amigos, só tenho três;
A esponja, o cachalote e o carangueijo.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

forma

Num breve lampejo, a luz passou por mim e eu já não me lembro. Coloquei num ponto bem alto que eu já não alcanço.Tentei transformar tudo em mitologia, mas isso me levaria diretamente para o sanatório. O presente, o passado, o mito. A ironia disso é que estive mentindo. A verdade é que eu não me lembro.
O que me lembro é que gravei numa tela, seja abstrata, de pano ou de tv.

(não me serviu de lição ou de exemplo. são substâncias invisíveis sem utilidade prática, formas-pensamento que vão e voltam e que pertencem ao tempo.vou estraçalhando o espaço tramando uma forma-mensagem. o pior é que encontro metade da resposta.)

Viciado em música - o que é horrível e não tem nada a ver com talento ou sensibilidade - dentro de uma ópera mutante. Se componho é porque não vejo como respirar de outra maneira. Digo, dar um grande respiro, sem interromper minhas pulsões naturais e ripongas; lavar o cérebro e o corpo, tomar banho de cachoeira ou de mar sem cachoeira nem mar. Sem gostar nem de nada disso na verdade.

As pessoas julgam muito rápido, baseadas em conceitos pré-formados assim como eu, e isso é irritante. Não é preciso ser nenhum gênio para saber que não entendo bulhufas nem dou a mínima pra isso, mas no final acabo me sentindo muito frustrado. Como a primeira ferida que se repete, culpa abissal que pressupõe a convivência com o outro.  A vida é uma tragédia ou uma comédia? qual é mesmo a diferença entre viver e dissimular?

a dor por trás da nossa ilusão sempre torna tudo real.  uma rasteira dos diabos.


terça-feira, 15 de janeiro de 2013

virtualidade


perco a substância
a palavra circula sem medo 
todas as declarações serão feitas
em seu devido momento
farei um documentário
de desejos inconclusos

e até uma morena
a quem nunca tive direito
se compraz pelo meu jeito (escrevo certo?)
pelas palavras
e referências
como um dicionário amoroso

é tão mais fácil assim
ministrar saúde e insanidade.

apesar de que às vezes penso em virar um asceta dos dispositivos virtuais. recusar os prazeres do gozo narcísico. hoje, quem não goza, o desejo pelo outro elevado à condição de imagem, som, palavra? milhões de cérebros. milhões. 
eu ainda me atrevo a criar algum sentido de completude no que escrevo. serei escravo do Imaginário? o enamorado de Barthes? Quantas vezes já não me equilibrei perfeitamente em cima de uma ilusão, sabendo que era ilusão? Ao pensar nisso tenho a sensação de estar à quilômetros de altura, em cima de uma nuvem de poeira branca. Dela, talvez eu já tenha caído há muito tempo, talvez esteja caindo ainda agora, sem qualquer sinal de chão por baixo. Há objetos também, caindo no espaço. Cadeiras, pessoas, convites. Ébrios, o ar penetra nossos corpos sem piedade. 
O ar da mudança constante, eterna.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Dayane


Eu costumo escutar pela TV, em conversas pseudo profundas(até mesmo em escritórios de Psicologia), uma pergunta recorrente: “Qual a sua lembrança mais antiga?”, às vezes completando com “quantos anos você tinha quando isso ocorreu?”
Pessoalmente, eu considero essa uma pergunta absurda e impossível de ser respondida. Primeiro, como discernir, entre os lapsos de memória da primeira infância, qual é o mais antigo deles? E como diabos você vai se lembrar de quantos anos você tinha, se provavavelmente você não sabia contar nem escrever o próprio nome na época?
Não sei qual é minha lembrança mais antiga, e pouco me interessa saber esse tipo de coisa. É coisa de gente que tem TOC na subjetividade(não que eu também não sofra desse mal).

Eu me lembro da minha primeira melhor amiga, Dayane.

O terraço contornava a casa antiga e malcuidada como uma casa de caboclo, mal se notava que era a casa do dono da fazenda; Doutor Rubens, meu avô. Digamos que ele ligava mais para a longa extensão do terreno e para os seus cavalos esbeltos do que para Decoração de Interiores.
A fazenda possuía muitos hectares de pasto a céu aberto, e por toda sua extensão corria o Rio Verde.

Tanto eu como Dayane - com seus cabelos crespos loiros e desgrenhados como pentelhos e delicados olhos puxadinhos no canto – éramos crianças ingênuas de uma mesma espécie, praticamente indiscerníveis com nossa sexualidade adormecida. Dois futuros demônios.
Dayane era filha de Nelsir, o caboclo que administrava os serviços da fazenda. Nelsir era um homem magro e extremamente forte com mãos calejadíssimas, dono de um rosto fino e moreno. Sempre com um chapeuzinho de couro marrom, tinha um bigodinho e olhos puxados como aquele personagem “mau” daquele filme de faroeste, “O Bom o Mau e o Feio”.  Nelsir(eu chamava-o de Delsir) era, porém, uma das pessoas mais fortes e inteligentes que eu jamais conheci. Junto com Marinete, a cozinheira, tiveram outros dois filhos insuportáveis depois de Dayane chamados Daniela e Matheus. Nunca conheci um Matheus que fosse bom da cabeça.

(saí de casa para entregar uma coisa para meu primo, fumei um cigarro, e acabei dando uma longa volta pelo bairro. Fiz um trajeto que ainda não havia feito, passando pelas ruas que me pareciam mais interessantes. Acabou de chover, então o clima fica agradável. Fui seguindo as pistas – ruas molhadas cobertas por árvores verde escuras, pequenas praças – do que a cidade um dia foi, ou do que poderia ser. Seguindo essa linha pude chegar à avenida principal cheia de carros e gente trabalhando. Pude ver que, se atravessasse a avenida, poderia continuar seguindo essas reminiscências indefinidamente, mas pensei um pouco e dei a volta. Já tentou caminhar por uma avenida principal praticamente de pijamas? Não me pareceu uma boa sensação, por isso voltei. Mas me impressiono com minha própria imbecilidade por não fazer regularmente esse tipo de caminhada)


Comecei esse texto querendo escrever sobre a tal lembrança de Davi e Dayane brincando. Vamos lá:

O chão do terraço era de terra batida e tinha formação irregular(saliências, reentrâncias no solo duro e poeirento), com uma grama fininha crescendo espaçadamente em alguns pontos, que de vez em quando espetava o pé.
O terraço circundava a casa, depois tinha o curral, e depois o pasto a perder de vista circundava tudo mais.
Eu e Dayane estávamos ali brincando, então pegamos uns galhos finos como espadas japonesas e começamos a bater nos troncos grossos e fortudos das árvores, que tinham mais que o triplo da nossa grossura. As árvores eram monstros. Me lembro da voz de Dayane berrando gulturalmente “O mooonstro! Cuidado! O monstro, vai, bate!”
E com nossos galhos nós açoitávamos aquelas poderosas árvores. Saía uma casca delas, ficando inúmeras marcas dos galhos como rabiscos, revelando uma subcamada verde clara que pensei ser a cor do sangue dos monstros.
O resultado do açoite era essa imagem que grudou na minha cabeça, como arte abstrata, dos troncos grossos com cortes em verde claro. 
E nós batíamos repetidamente, veementemente naqueles troncos firmes.
Em dado momento, ficávamos completamente fora de controle, possessos como duas bestas travando lutas intermináveis com árvores impassíveis. Apesar de continuarem em pé fazendo sombra no terraço , nós sempre saíamos vitoriosos das batalhas.

Tardes empoeiradas de sol.

Depois de um tempo, no espaço de um ano entre um verão e outro, a coisa mudou de figura. Dayane estava sentada na sala vendo novela com uma amiga, e nos cumprimentamos com uma timidez atroz. Não faço a mínima ideia se ela sentiu-se estranha como eu, mas eu me senti desmoronar. A nossa antiga amizade parecia agora impossível, a cumplicidade dando lugar a um silêncio gelado e uma bola na garganta. Sei que, a partir daí, ela seguiu crescendo cada vez mais envolta em uma aura cada vez mais feminina, e eu tropeçando em  hesitações crescentes, desenvolvendo uma curvatura duvidosa na nuca.
Eu achava que ela havia se tornado insuportável. Pensava que, se pudesse, bateria nela com os galhos e que talvez seu sangue fosse verde como o das árvores.
Na minha Belo Horizonte apertada, com idade por volta de 10 anos, lembro que olhei para uma bola de cristal e vi Dayane tirando o sutiã, mesmo que peito ela não tivesse. Minha crescente sexualidade gerava em mim melancolia mesclada a crenças paranormais.


Vim a saber, não me lembro por quem, que recentemente ela ingressou na faculdade de Artes Plásticas assim como eu.
Não que eu goste de artistas. 

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

total-perplex cidades

e a cidade repleta de pessoas perplexas metamoforseou-se num conjunto de perplexas cidades, pessoas de diversas idades, apesar de que a idade não importa num mundo de perplexidades. nasce-se, e ao abrir o olho já se está perplexo com todas as variedades de tamanhos dos cabelos, pintos e cabeças, e
assim permanece-se, em maior ou menor grau, em sua cidade, estando perplexo até o desfecho de sua vida perplexa.

alimento. come. alimento. mangia.