sexta-feira, 23 de novembro de 2012

dei uma boa arejada, e dói como o diabo. como se eu tivesse tirado a espuma que me tornava gordinho e imbecil e me lembrado do quanto doía ser cru, sentindo na pele as ondas que morrem. E ainda morrem irremediavelmente, deixando o ar úmido e cheio de sal, tanto que faz os olhos arderem, não sei se do sol também.

domingo, 11 de novembro de 2012


Resolvi sentar. Chove ralo lá fora. Soltei minha cadela cega e velha – já que ela insiste tanto –, ela agora está andando pela sala trombando com a cabeça nos móveis sem morrer – já que ela insiste tanto – eu não posso fazer nada. Algumas vezes me pego assim andando em círculos, e talvez se eu fosse cego eu sairia mesmo por aí sendo atropelado, apenas talvez. Ou iria para um bar onde tocasse boa música e se me dissessem pra sair eu diria, tal como Bartleby, “Prefiro não fazer”. Minha vocação para a preguiça é digna, é um Dom maravilhoso de um deus que escreve errado por linhas retas. Prefiro não fazer, ou só fazer o necessário para viver e sobreviver bem. Nada de medalhas, nada de honra ao mérito.

Hoje eu vi um adesivo num carro, imitando aqueles de BH: Amo a mim mesmo – incondicionalmente(incondicionalmente escrito na vertical).
Me lembrei de que tenho excesso de verticalidade. Às vezes é tanto que pendo muito pra frente, pareço uma estátua de Giacometti rasgando o espaço..
Tinha medo, pânico do meu peito se colar às minhas costas até eu não conseguir respirar e me partir. Hoje faço exercícios regularmente, e isso me dá uma sensação diluída de existiência. Crio músculos para distinguir meu sangue do pó de concreto. Me libero um pouco de pensar, e de uma certa substância tóxica maior do que qualquer droga. Pensar é ridículo. Prefiriria não pensar, mas não consigo deixar de pensar, acho que comecei a pensar compulsivamente aos 17 anos, foi quando voltei a gostar da vida.
Antes disso na chamada pré adolescência, eu tinha absoluta consciência do meu estado de coma e me punia pelo fato de não conseguir sentir nada, nada por ninguém, nada por dinheiro, família, presentes, nem música. O curioso é que eu tinha uma banda – talvez tenha sido minha muleta existencial naquele tempo.

Hoje tenho uma coleção de muletas. Amo música mais do que antes. Quero ouvir novas músicas, e depois dizer que são minhas, eu que fiz. Pensamentos idosos, eu sei, pensamentos idosos na minha cabeça. Sinto tesão metafísico por certas pessoas, não que eu seja um garanhão, mas eu me garanti algumas vezes com pessoas maravilhosas cheias de defeitos absurdos, todas elas malucas. Cada vez menos companhia para a loucura. Mesmo os poucos, será que foram cúmplices? Prefiro acreditar que sim, mesmo que seja um tiro no escuro. Prefiro acreditar que te amo
Me lembro da cena do meu avô com seu enfermeiro. Mas isso é só um lembrete pra lembrar de escrever depois.

sábado, 10 de novembro de 2012

Ghostbusters

Quando era criança costumava pensar sobre a possibilidade de eu ser o único humano na Terra, e que todos os outros eram Aliens fantasiados e estavam me testando, me observando o tempo todo. 
Pensava também que quando eu dormia e acordava na manhã seguinte, não tinha se passado menos de um minuto, e que as pessoas que ficaram acordadas na noite passada ainda estavam lá, em um tempo diferente do meu. Um dia perguntei sobre isso para a empregada, ela não entendeu.
Eu sabia das coisas, quando era criança. 

Corri logo depois da chuva com o céu nublado e o ar ainda frio e úmido, os cigarros que fumei ontem e a bebedeira não me atrapalharam dessa vez. Na praça corria também um senhor que parecia japonês e que devia ter 50 com corpo de uns 30, ele me lembrou um escritor maratonista que escreveu um livro inteiro só sobre correr ('Do que eu Falo Quando eu Falo Sobre Corrida' - Haruki Murakami). Fiquei feliz que só nós dois tivéssemos pensado que correr naquele tempo naquela praça num sábado era mesmo uma boa idéia, com o vento e as poças e tudo. Talvez seja uma característica meio japonesa, pensar desse jeito.

Ilusões flutuam sobre meu cerebelo como fantasmas que não capturei, ainda - sim, eu estou vendo Ghostbusters, fiz um pequeno intervalo. Escrever é uma ótima maneira de capturar fantasmas, ou mesmo criar uma espécie de separação entre mim e eles. Logo percebe-se por que escrevo igual psicótico. Não sou muito inteligente nem muito sensível. Escrevo esses resquícios do mundo que deixo de limpar, que introjeto em ilusão. Muitas vezes me esqueço de que posso simplesmente remover certas barreiras que coloco. Na verdade, isso é muito mais importante do que qualquer preocupação estética. É preciso uma concentração dos diabos.
Humanos em geral acham que esses hábitos artísticos são hábitos homossexuais estéticos, mas escute-os conversando, a gente logo vê que não sai nada de importante das bocas deles. Não entendo como eles mantém as cordas vocais saudáveis com aquele fluxo de palavras gordurosas escorregando de suas bocas o tempo todo. Essas pessoas poderiam simplesmente acabar em 2012, e deixarem o mundo como está. 
Imagina acordar um dia e elas não estarem mais lá, nos escritórios, nas faculdades, nas ruas...Talvez eu arrumasse um emprego estável, ou finalmente me animasse a viajar por aí, conhecer os lugares.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Um ajuntamento de sangue e pó de concreto, pessoas que não param de falar o tempo inteiro, você só está com eles porque acariciam sua memória de alguma maneira como brinquedos da infância não esquecidos.
Os verdadeiros amigos estão indo ladeira abaixo, toda a cidade parece estar desmoronando, com céu e tudo. "Não pode desmoronar junto agora, não pode, só mais esse tempinho e saímos daqui" e você divide a sua rotina entre praticar esportes(corrida, tênis, natação, bicicleta, mais que um triatlo), e alimentar sua cabeça mendiga(escrever, fumar, beber, tocar, roer unhas). Estar completamente são não é saída, a mente fica num estado deplorável, morrendo de alguma coisa. Deve estar com a cabeça grávida de qualquer coisa, vai saber.
- Mulher engravida cabeça de homem quando vira idéia. - Já dizia o meu neto.




sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Aline

A praia. finalmente, a praia. Saí de Belo Horizonte - sol, concreto - vim para Itacoatiara - dias nublados, chuvas amenas e espaçadas. Mas nem aqui consigo ficar livre dos mineiros.
Hoje estava andando na praia sem querer chegar a lugar nenhum quando cruzou comigo vindo na direção oposta uma mulher vestida com saia laranja, blusa preta, maquiagem pesada e óculos escuros de camelô. Minha primeira reação foi me sentir atraído - mesmo com a sensação de que aquela pessoa não sabia bem onde estava, pelas suas vestes devia achar que aquela praia vazia era uma espécie de shopping, seilá. Na hora só pude pensar naqueles óculos escuros de camelô e passei reto por ela.
Atravessei a longa praia e andei de volta. Enfim encontrei-a sentada numa pedra à beira mar com um livro. Sentei-me numa outra pedra a uns 10 metros e peguei um livro também, o que não era mesmo má idéia. De soslaio olhava para ela, que enfim pareceu ficar mais a vontade e tirou a camisa preta e opressora.
Passado um tempo um amigo chegou, fumou um toco, brincamos um pouco. Quando ela se levantou e saiu, por um acaso do destino nos levantamos e saímos também, seguindo suas pegadas pela areia.
A mocinha parou para comprar um picolé e eu passei por ela já meio sem jeito, e em questão de segundos esse meu amigo já estava dizendo à ela o quanto a achava bonita. Fiquei com vergonha por ele, mas de alguma forma esse amigo sempre consegue soar gentil, então eles começaram a conversar e ela disse que era de Belo Horizonte. Se chamava Aline. Dei um pulo para trás e puxei conversa "Oh, Você também de Belo Horizonte?"
-Nasci em Belo Horizonte, mas moro em Contagem. Perto do Carrefour.
Perto do Carrefour. Não sei que diabos ela quis dizer, será que existe um Carrefour em Contagem onde os moradores se encontram para botar o papo em dia ou algo assim? Há milhares deles em Belo Horizonte. São motivo de orgulho os nossos Carrefours, onde podemos comer sanduíches de frango a preços acessíveis.
Perguntei a ela o que fazia ali.
- Vim acompanhar meu noivo a um simpósio de Direito na cidade. Ele está lá agora, e eu resolvi ficar por aqui.
Um noivo. Essa podia ser simpática comigo porque ela já tinha um noivo, e guardou a informação para soltar no meio da conversa.
Meu amigo se afastou alguns metros, de modo que continuei a conversa sozinho.
Aline era psicóloga. Ela realmente tinha cara de psicóloga. Na verdade parecia minha psicóloga. Notei algo nas mãos e no pulso, mão e pulso de psicóloga. Gostava de teatro, queria voltar a fazer teatro.
Acho que é tudo que eu consegui extrair dessa pessoa. Ah, tinha boas sombrancelhas.
Eu poderia ter achado a experiência mais interessante se ela não tivesse conservado durante todo aquele tempo os óculos escuros de camelô.