Resolvi sentar. Chove ralo lá fora.
Soltei minha cadela cega e velha – já que ela insiste tanto –,
ela agora está andando pela sala trombando com a cabeça nos móveis
sem morrer – já que ela insiste tanto – eu não posso fazer
nada. Algumas vezes me pego assim andando em círculos, e talvez se
eu fosse cego eu sairia mesmo por aí sendo atropelado, apenas
talvez. Ou iria para um bar onde tocasse boa música e se me
dissessem pra sair eu diria, tal como Bartleby, “Prefiro não
fazer”. Minha vocação para a preguiça é digna, é um Dom
maravilhoso de um deus que escreve errado por linhas retas. Prefiro
não fazer, ou só fazer o necessário para viver e sobreviver bem.
Nada de medalhas, nada de honra ao mérito.
Hoje eu vi um adesivo num carro,
imitando aqueles de BH: Amo a mim mesmo –
incondicionalmente(incondicionalmente escrito na vertical).
Me lembrei de que tenho excesso de
verticalidade. Às vezes é tanto que pendo muito pra frente, pareço
uma estátua de Giacometti rasgando o espaço..
Tinha medo, pânico do meu peito se
colar às minhas costas até eu não conseguir respirar e me partir.
Hoje faço exercícios regularmente, e isso me dá uma sensação
diluída de existiência. Crio músculos para distinguir meu sangue
do pó de concreto. Me libero um pouco de pensar, e de uma certa
substância tóxica maior do que qualquer droga. Pensar é ridículo.
Prefiriria não pensar, mas não consigo deixar de pensar, acho que
comecei a pensar compulsivamente aos 17 anos, foi quando voltei a
gostar da vida.
Antes disso na chamada pré
adolescência, eu tinha absoluta consciência do meu estado de coma e
me punia pelo fato de não conseguir sentir nada, nada por ninguém,
nada por dinheiro, família, presentes, nem música. O curioso é que
eu tinha uma banda – talvez tenha sido minha muleta existencial
naquele tempo.
Hoje tenho uma coleção de muletas.
Amo música mais do que antes. Quero ouvir novas músicas, e depois
dizer que são minhas, eu que fiz. Pensamentos idosos, eu sei,
pensamentos idosos na minha cabeça. Sinto tesão metafísico por
certas pessoas, não que eu seja um garanhão, mas eu me garanti
algumas vezes com pessoas maravilhosas cheias de defeitos absurdos,
todas elas malucas. Cada vez menos companhia para a loucura. Mesmo os
poucos, será que foram cúmplices? Prefiro acreditar que sim, mesmo
que seja um tiro no escuro. Prefiro acreditar que te amo
Me lembro da cena do meu avô com seu
enfermeiro. Mas isso é só um lembrete pra lembrar de escrever
depois.