sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Aline

A praia. finalmente, a praia. Saí de Belo Horizonte - sol, concreto - vim para Itacoatiara - dias nublados, chuvas amenas e espaçadas. Mas nem aqui consigo ficar livre dos mineiros.
Hoje estava andando na praia sem querer chegar a lugar nenhum quando cruzou comigo vindo na direção oposta uma mulher vestida com saia laranja, blusa preta, maquiagem pesada e óculos escuros de camelô. Minha primeira reação foi me sentir atraído - mesmo com a sensação de que aquela pessoa não sabia bem onde estava, pelas suas vestes devia achar que aquela praia vazia era uma espécie de shopping, seilá. Na hora só pude pensar naqueles óculos escuros de camelô e passei reto por ela.
Atravessei a longa praia e andei de volta. Enfim encontrei-a sentada numa pedra à beira mar com um livro. Sentei-me numa outra pedra a uns 10 metros e peguei um livro também, o que não era mesmo má idéia. De soslaio olhava para ela, que enfim pareceu ficar mais a vontade e tirou a camisa preta e opressora.
Passado um tempo um amigo chegou, fumou um toco, brincamos um pouco. Quando ela se levantou e saiu, por um acaso do destino nos levantamos e saímos também, seguindo suas pegadas pela areia.
A mocinha parou para comprar um picolé e eu passei por ela já meio sem jeito, e em questão de segundos esse meu amigo já estava dizendo à ela o quanto a achava bonita. Fiquei com vergonha por ele, mas de alguma forma esse amigo sempre consegue soar gentil, então eles começaram a conversar e ela disse que era de Belo Horizonte. Se chamava Aline. Dei um pulo para trás e puxei conversa "Oh, Você também de Belo Horizonte?"
-Nasci em Belo Horizonte, mas moro em Contagem. Perto do Carrefour.
Perto do Carrefour. Não sei que diabos ela quis dizer, será que existe um Carrefour em Contagem onde os moradores se encontram para botar o papo em dia ou algo assim? Há milhares deles em Belo Horizonte. São motivo de orgulho os nossos Carrefours, onde podemos comer sanduíches de frango a preços acessíveis.
Perguntei a ela o que fazia ali.
- Vim acompanhar meu noivo a um simpósio de Direito na cidade. Ele está lá agora, e eu resolvi ficar por aqui.
Um noivo. Essa podia ser simpática comigo porque ela já tinha um noivo, e guardou a informação para soltar no meio da conversa.
Meu amigo se afastou alguns metros, de modo que continuei a conversa sozinho.
Aline era psicóloga. Ela realmente tinha cara de psicóloga. Na verdade parecia minha psicóloga. Notei algo nas mãos e no pulso, mão e pulso de psicóloga. Gostava de teatro, queria voltar a fazer teatro.
Acho que é tudo que eu consegui extrair dessa pessoa. Ah, tinha boas sombrancelhas.
Eu poderia ter achado a experiência mais interessante se ela não tivesse conservado durante todo aquele tempo os óculos escuros de camelô.