terça-feira, 30 de outubro de 2012

a criança aleijada e o confessionário

Outro dia eu li não sei de quem, que o futuro da literatura estava na confissão. Não saberia dizer se ele estava certo, mas ao menos pra mim escrever se torna tão mais prazeroso quanto mais confissões eu fizer, mesmo que mascaradas por milhares de sentidos.

Será que é um tipo de superficialidade precisar de se confessar(precisar saber que há alguém ouvindo por trás dos nossos véus)?

- Por que não escrever num diário? - provavelmente perguntaria minha penúltima namorada, afundada em sua cama lendo algum livro clássico, histórias de princesas em um mundo inglês recatado e sofisticado.
- Um ranço muito comum em um país predominantemente católico de terceiro mundo - Diria o acadêmico filho da puta.
...E nenhum dos dois me ouviria quando eu dissesse, "acho uma saída muito fácil colocar dessa maneira". 


Não existe nem nunca existirá ser humano perfeito que sempre tenha vivido em completa sintonia com a sociedade. Absolutamente todos tiveram que reprimir seus desejos e passar pela angústia para se adaptarem. Todos um dia se fuderam. E todos, mais cedo ou mais tarde, acordam pra esse fato e, a partir daí, começam a se entender por gente(não me arrisco a dizer que alguém nunca se dê conta disso. pode até esquecer depois, mas...).

A sociedade católica tradicional por muito tempo se suportou com o confessionário.
A ferocidade da sociedade industrial criou as bases para o surgimento da Psicologia.
E a Psicologia mesma nos diz: muitas vezes precisamos de fantasmas que clamem por nosso desejo para desvendá-lo.
É o que está do outro lado do véu, o que provoca movimento, transferência, enfim, reconhecimento.
Desnecessário dizer que nós só precisamos acreditar na existência desse fantasma para que ele exista.
Mas não é a existência dele que está em jogo. É a vontade.
É preciso reaver o desejo da criança aleijada que não pára de chorar e morrer todo dia.

Não quero dizer que devamos viver como loucos, nos alimentando de ilusões regularmente como um yogue pofissa se alimenta de luz. Eu sou meio louco, mas você não precisa ser, é isso que eu quero dizer. Se você está consciente de todos os seus desejos e os controla ou satisfaz apenas com o que pode tocar ao seu redor, vá em frente camarada, não há ninguém aqui te obrigando a ser obscuro. Mas não vejo muitos da sua espécie andando pelas ruas ultimamente. Acho que ninguém parece ter tido realmente muita sorte.

Hoje temos condições de ter quantos fantasmas quisermos através dos nossos dispositivos. Podemos cobiçar uma pessoa, idolatrar sua imagem, até mesmo enviarmos um texto ridículo(como esse) para ela se quisermos. Nós mesmos podemos atualizar nossa identidade fantasmática com cores, frases, músicas e outros pequenos brinquedinhos que animem a criança aleijada que se carrega.
Não existe essa de "minha infância que foi boa, a sua é uma merda". a infância em si é uma merda, seja com facebook, carrinho de rolimã, ou com programa da Xuxa.


Então eu tenho uma confissão a fazer, e prefiro fazê-la logo: grande parte da minha vida foi uma merda.

Mas talvez a sua angústia tenha sido tanto ou mais cabulosa que a minha. E isso é novidade pra mim.
Talvez a novidade seja aquela palavra que eu não gosto, a compaixão.