segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Sara(2011)

Minha cadela está cega já há algum tempo. Glaucoma, diz o veterinário. E surda, pelo que pude comprovar. Hoje estalei os dedos ela olhou para a esquerda. Eu estava no sofá à direita. Curioso isso, dela virar a cabeça pra "ver" alguma coisa. Ela não me encontra a não ser que eu vá até ela e lhe roçe o pêlo, o que a faz estremecer levemente.
Não me sinto triste por ela. Ela está velha, não sente dores ao que parece e conservou algum vigor físico através do pilates. E a velhice parece ter lhe trazido alguma sabedoria, de modo que ela não fica mais chorando pelos cantos. Mesmo cega e surda ela insiste em andar, procurar alguma coisa(vide "A Filosofia de vida da minha cadela"). Coloco-a de volta em sua cama, mas ela insiste em se levantar para ir dar de cara com uma cadeira, uma geladeira, um poste, enfim.
Saí para passear com ela na coleira. Na maior parte do tempo eu a guiava mas muitas vezes ela se detinha no caminho, gemendo e puxando, me obrigando a esperar que ela farejasse alguma coisa, na maior parte do tempo merda alheia. O que eu posso fazer, privar ela do direito de cheirar, o único sentido em que ela ainda pode confiar? Devido a isso o passeio foi bem mais longo do que eu planejara.
Alguns cachorros cheiravam seu rabo de quando em vez sem despertar nela o menor interesse. Um outro cachorro pequeno e cilindrico latia para ela veementemente, e soltou um gemido interrogativo ao notar que havia algo errado com ela. Ela nunca se interessou por nenhum cão em especial, mas costumava estremecer quando latiam para ela. Uma vez levamos um beagle gordo(seu dono o alimentava sempre com frango) lá pra casa para cruzar com Sara que também é meio beagle. O cão passou uma semana lá e não quis cruzar com ela. Tinha uma cara sempre interrogativa, provavelmente se perguntando em qual esquina da vida encontraria o próximo frango, então pensamos que seu problema era obesidade mórbida.
Mas Sara está bem. Seu rabo já não sobe e suas pernas já não tremem quando está em público. Até mesmo um gato, que ficou com medo quando chegamos perto, passou a seguir-nos, nos perguntando porque não estávamos interessados em sua carne de gato. dei de ombros e fui embora.

no final do passeio, a cadela não queria mais andar. tive que carregá-la dois quarteiroes até em casa. Seu focinho úmido roçava em minhas bochechas, tinha os olhos fechados, acho que ela se sentia muito bem.