segunda-feira, 30 de junho de 2014

Frágil

Me sinto minúsculo frente às crianças. Posso brincar com elas por um longo período de tempo, mas me envolvo tanto que saio chorando. Bato a porta do quarto e escrevo.

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Era verão. Estávamos na casa de praia da vovó. Um quiosque de palha, ao lado da piscina, ocupava uma pequena porção do quintal da casa. Passávamos nossas tardes por ali, 8 primos, uma prima, mais outros meninos e meninas da vizinhança. Todos mais ou menos na puberdade. Eu encarava esse processo como a maioria das crianças: era estúpido, perverso e teimoso.

 Nesse dia havia entre nós um menino esquisito; o filho da empregada. Ele devia ser talvez um ano mais novo que eu. Era magro. Achava-o simplesmente sem graça. Tudo nele era-me indiferente, e eu tinha mais o que fazer para ficar analisando os outros. Mas o filho da empregada, em pouco tempo, já tinha ganho entre os meus primos uma reputação das piores: burro, feio, e principalmente fraco. Seu nome era Valdecir.

O Valdecir ganhou fama de fraco por causa da queda de braço. Estavam brincando disso e ele perdia de todo mundo. Eu não gostava de participar da brincadeira, mas assistia com prazer aos outros competirem. Valdecir perdia todas. Me agradava ver meus primos vencerem-no e uma saraivada de chacotas recair sobre Valdecir. Me sentia sinceramente embriagado e comovido com aquilo. "Então", pensava com meus botões, "Valdecir é magro, burro, feio e fraco".

Eu peguei Valdecir pela mão e levei-o até a sala de televisão, onde minha mãe e minhas tias assistiam à novela apertadas no sofá. Exibi-o como uma criatura exótica, trazida do quintal. Anunciei o desafio: "Vejam, como venço facilmente na queda-de-braços Valdecir!" Nos ajoelhamos os dois no chão da sala e unimos nossas mãos. Valdecir estava determinado.

As risadas irromperam na sala, risadas cruéis de mulheres na faixa dos 40 anos -  como risadas de criança, porém mais perversas. Valdecir também riu, triunfante. As tias parabenizaram-no, comemoraram a vitória do filho da empregada, e depois, repentinamente, como se nossa disputa se tratasse de um mero intervalo comercial, voltaram as atenções à novela. Eu fora zombado por uma corja de mulheres de meia idade.

Saí correndo da sala de televisão e fui me encolher entre dois sofás na sala de estar, no canto da parede, como se eu quisesse me tornar um abajur, uma cabeceira ou algo parecido. Ali, eu senti o golpe, toda a humilhação em dobro. Nada, absolutamente nada em mim era digno de louvor. Não havia como encontrar razão honrosa para meu ato. E eu me tomava a sério demais para não me sentir amargamente desolado.