sábado, 28 de junho de 2014

amor(2)


Os amores estão ficando gastos. Até eu, que me proclamava guardião de todos eles, esqueci o que sentir.

Se ao menos eu recebesse algum sinal do tipo "eu te amei, mas você não sabia". Aonde estão aquelas meninas que me mandavam cartas na infância? Eu queria saber de tudo o que perdi. Parece que foi muita coisa. Eu queria ouvir isso da boca das infelizes que um dia me amaram. Mas ninguém está disposto a me contar uma história. Criemo-la, ora pois.

O que eu sei, de verdade, sem criação(mesmo), é que quando eu estava na terceira série da escola, havia um dia especial em que os meninos e meninas participavam do Correio Secreto. Nós deveríamos escrever cartas amorosas - supostamente anônimas - e mandar para alguém do sexo oposto. Eu queria Maria Alice com toda minha alma. Eu escrevi uma carta para Maria Alice. Não me lembro do que havia escrito, mas foi algo genial.

Em troca recebi uma carta de Maria Carolina. Um rolo de papel no qual estava escrito '600 eu te amo'. Maria Carolina não era lá essas coisas.
Eu não contei, mas pelo rolo ser do tamanho de um pão de sal, presumi que eram mais de 600 eu te amo. Tudo escrito com força numa letra cursiva grande. Que azar o meu. Saí da sala de aula em prantos.

Em casa, ainda pensava naquilo durante a tarde. Eu tinha 11 anos, e me via diante de um dilema comum da vida adulta. O telefone de minha casa tocou. Era Maria Carolina. Essas pessoas sempre descobrem nossos telefones, mais cedo ou mais tarde.

-Alô?
-Alô, Davi? Você gostou da carta que eu te enviei?
-...Sim.
Ouvi uma risada maníaca, misteriosa, e depois telefone ficou mudo.

Era isso. Eu tinha oficialmente selado o meu destino; Maria Carolina me amava, e eu dera esperanças para sua obsessão. Eu estava consternado. O que Maria Alice iria pensar? Essa  é a pergunta que ficou sem resposta. Nunca soube o que Maria Alice realmente queria, e ainda não sei o que meus outros amores(que são como subprodutos de Maria Alice) querem. Elas nunca me mandam cartas, rolos de papel, declarações extravagantes. Apenas aparecem; flores no asfalto esperando para serem violentamente esmagadas. Elas são como Mister Magoo, cegas e ingênuas, e eu como um palhaço do destino. Um fantasma, um bom ou mau agouro. Eu sou como um presságio.

Se eu pudesse voltar ao tempo, eis o que faria: pegaria nas mãos de Maria Carolina. A levaria para passear no recreio e, sem ter medo das chacotas, faríamos um pic-nic no meio do gramado. Faria tudo o que ela me pedisse. Nesse ponto, Maria Alice estaria a meus pés. Mas eu não daria atenção a ela. Não daria atenção a ninguém. Apenas me concentraria em obedecer as ordens de Maria Carolina.
Porque é preciso render-se ao amor de outrém. Derrotado, comemora-se a vitória do outro.