quinta-feira, 24 de abril de 2014

Sobre Recitais de Poesia em Apartamentos

O que eu não gosto da poesia falada(não a cantada) de poetas-mineiros-de-apartamento é o tom monótono que a voz acaba assumindo quase que automaticamente, por alguma razão implícita com a qual não consigo atinar. Do poeta mineiro ao mendigo mineiro, todos parecem padres quando vão recitar. Ouve-se o termo "poesia" e os neurônios - gastos pela falta de ritmo e pelo raciocínio labiríntico carente de matéria vital - fazem conexão direta com o Confessionário, com a Igreja, com a expiação dos pecados.

Não há quem não tenha passado pela situação constrangedora de ser convidado por um amigo mais extravagante a sentar-se e ouvir pacientemente a seu interminável monólogo. Não importa se a poesia fala de buceta, de cerveja, ou de espelho; qualquer palavra soa como a mesma coisa, termina em um mesmo tom rouco e arrastado como se o indivíduo estivesse falando de algo condenável por todos ao redor. Quem ouve tem a impressão de estar arrancando as palavras da boca de um pobre torturado quando na verdade é o "poeta" quem incorpora o torturador, passando verdadeiros sermões católicos sem nenhuma piedade pela alma do ouvinte. Depois da Confissão ele pergunta cheio de pudor "gostou da poesia?" e o sábio ouvinte responde, "doze Ave Marias e dez Pai Nossos rezados e está tudo resolvido. Não se esqueça de sempre dar a todas as palavras um só tom, rouco e íntimo, com aquela gota de vergonha interior que você nunca conseguiria dissimular, e assim deus vai lhe compreender."

Tem algo errado com os atores brasileiros. Vê-se como as novelas andam piorando cada vez mais, e os filmes mais alternativos também se parecem muito com as novelas.

Não que eu considere que pessoas com complexo de culpa não possam dar livre curso ao fel que se precipita por suas bocas, à sua livre expressão(salientando que eu acho mais aconselhável a terapia do grito primal do que a poesia para esse tipo de sintoma). Como qualquer um, sofro de complexo de culpa. Mas há de se ter cuidado; esse lugar da culpa que dizemos ser tão íntimo e profundo pode ser na verdade um espaço raso e fétido como pântano, compartilhado por todos. Não é íntimo nem pessoal; assim como esse texto, é uma generalização. São ordens implícitas, cuja menor infração é imediatamente percebida pelo próximo. Quando somos chamados a palco para recitar alguma coisa, simplesmente não conseguimos falar sem parecer modestos, humildes, enfim pesados e chatos. Reproduzimos a ferida na língua. A obstinação que transparece na voz não é mais do que falácia, revela o tremendo esforço feito para que não se escape uma emoção natural e espontânea. Ficamos à deriva, como maioria não se cansa de repetir em seus versos. Sabemos escrever, mas até o mais extrovertido se compunge ao dizer qualquer coisa que considere sua poesia. demasiadamente humano? ou pouco?

O pior é que às vezes eu tento falar, sai desse jeito também.

É isso. Acho que eu prefiro continuar cantando.