domingo, 6 de abril de 2014

a Copa do Mundo



Sábado 05 de abril de 2014

Se eu for apenas um leitor me tornarei como Eles.

Eles se dão o nome do que quer que seja; esquerdistas, rockstars, anarquistas, intelectuais, cinéfilos, espectadores. Não são mais do que números, agentes da era da informação escravizados pela Meritocracia. São na verdade a ESMAGADORA maioria. Se crêem indivíduos excepcionais, mas caem facilmente nos estigmas da sociedade.
Vivem se debatendo dentro de suas divisões mesquinhas. Seu frágil projeto de Individuação é publicado no Plano Azul-Calcinha e enfim devidamente reciclado em dispositivos miméticos, enlatado e vendido aos botequins.
É impressionante assistir a casos desses indivíduos sendo mimados diariamente pelo seu próprio círculo social. Eles descem pelo ralo junto com todo o resto. Comem capim por um tempo, depois renascem como seres humanos, dizendo que passaram por um período de depressão, mas que já está tudo bem. Continuam na peregrinação rumo ao nada.

O que me alivia e me satisfaz é que, de certa forma, todos desceremos pelo ralo juntos.
Sinto uma espécie de comunhão nisso e durmo tranquilamente. Por outro lado, sou um deles. Sofro constantemente de paranóia excessiva, sou vítima da megalomania, saio por aí procurando distrações baratas. Espero ansiosamente pelo dia em que a Grande Copa me recolha para os campos de concentração; assim estaria junto d'Eles, definitivamente. Faríamos todo o sentido juntos. E o mais importante, teríamos um inimigo em comum bem definido.
Não ficaríamos mais procurando por um ditador para colocar toda a CULPA que nos consome internamente, a nós, consumidores implacáveis. Teríamos um ditador ali na nossa frente, poderíamos enfim dar livre curso à raiva que se assentou sobre nossas colunas vertebrais durante décadas. Isso em si já seria o suficiente para mim. É doloroso assistir a todos esses seres sem história ou relevância social desfilando sua dignidade inutilmente em um plano azul-calcinha.

-

Me lembro de um vídeo de família que assisti quando criança, do meu irmão mais velho quando bebê tateando o chão áspero do quintal, investigando a textura das folhas secas. Seus músculos gordurosos e enfraquecidos não eram o bastante para que ele engatinhasse com eficácia. O fazia apenas com muito esforço, e desajeitadamente. Permaneceu assim por longo tempo, imerso num silêncio de concentração. Me parecia inteiramente só em sua empreitada.

Depois, na aula de música a professora mandou que todos os alunos se deitassem, e, de olhos fechados, escutassem música.  Assim o fiz. Escutei uma melodia suave, uma voz de mulher, a imagem do meu irmão e as folhas secas apareceu, e o pranto irrompeu do meu ser, como um rio.
Depois a professora me perguntou porque eu chorava. Eu disse "ELE ME BATEU!" e apontei para um colega, escolhido aleatoriamente.

Contei para os meus pais sobre o vídeo que tanto me emocionara, e eles resolveram consultar meu HOMEOPATA(aqueles que prescrevem bolinhas de açúcar a serem tomadas de 5 em 5 minutos, depois de 3 em 3, e por aí vaí, até a depressão acabar. Você, porém, adquire TOC no final). Ele disse a meus pais que NUNCA, de forma nenhuma deveriam me mostrar os vídeos de infância do meu irmão.
Há dois anos atrás eu peguei todas as fitas antigas e desgastadas e passei tudo pra DVD.