sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Tempos Áureos

Um moralista é como uma criança colocando o quadrado no buraco do quadrado, e o triângulo no buraco do triângulo. Ele está certo; mas só está certo porque aquele brinquedo existe. Um moralista precisa de duas coisas - Poder e um brinquedo. Um moralista não é necessariamente ruim; A questão é saber qual é seu brinquedo.

O brinquedo pode ser uma cidade, por exemplo, Belo Horizonte; Belo Horizonte foi construída com base em modelos reais de cidades de Lego, daquelas que passam nos comerciais de TV. Belo Horizonte pode ser desmontada a qualquer momento, e suas peças serão substituídas por outras ainda mais desmontáveis. Belo Horizonte hoje tem menos identidade que as unhas encravadas de nossos avós. Temos que estar prontos a sair de Belo Horizonte, no caso da cidade ser esquecida, como peças de Lego guardadas em uma caixa dentro do armário.

Ovídeo 

Falando em moralismo, eu tava vendo um vídeo antigo do meu terceiro período na escola, e pensei uma coisa: eu acho que, ainda que nossa geração esteja ficando velha - na escala dos 20 a 30 anos - nós não somos, nem de perto, tão felizes e harmoniosos quanto nossos pais e professores eram nos seus áureos 30/40 anos de idade. Ao menos na antiga fita, eles me parecem imensamente mais bondosos do que nós. Você tem que imaginar que, nessa época, o telefone era de discar, só tinha TV aberta, o pessoal tava escutando Rita Lee e Marisa Monte. Todo mundo ainda ouvia vinil; CD era uma novidade indesejada. Uma serenidade hiponga persistia nos gestos e olhares de nossos pais.

Vejo a fita; a professora Heloísa me parece um anjo de luz que veio ao mundo trazer amor e serenidade às crianças. É branca, magra e morena, com o cabelo cortado acima do pescoço fino. Tem um olhar concentrado, e uma postura graciosa que lhe confere um ar calmo - devo dizer que os/as professores/as que eu conheceria na Universidade mais tarde não chegariam a seus pés. Os professores universitários que tive, em sua maioria, não conseguiriam esconder sua frustração pela própria vida em um sala cheia de crianças.

Voltando ao vídeo, em sala de aula as crianças também parecem anjos eternos. De uma forma estranha, eu ali com meus 6 anos de idade pareço mais velho do que todos. Eu pareço saber que estaria vendo a fita anos mais tarde, então eu começo a ler o texto que me foi pedido com uma pronúncia perfeita e um ar de sutil arrogância. Depois que termino, volto a chupar a ponta do meu lápis e me distraio olhando para o teto. As crianças brincam e conversam ao meu redor.

Em uma cena final, estamos todos - alunos, pais e professores - numa espécie de celebração; rodeadas de adultos, as crianças são chamadas uma a uma pela professora no centro da sala, depois posam para a câmera fotográfica e saem de cena. Quando chega a minha vez, eu ando até a professorinha Heloísa; ela me estende um mini-diploma, e me aponta a câmera para eu tirar foto junto a ela. Eu sempre tive problemas de vista, e eles eram mais graves na infância. Naquela situação, eu estava com meus óculos, mas toda aquela pressão psicológica me impedia de enxergar dois palmos à minha frente. Estava nervoso demais.

O engraçado é que eu me lembro vagamente da situação real, ao mesmo tempo que me lembro de assistir a cena do vídeo depois, muitas vezes. Heloísa aponta o dedo para um ponto, e eu finjo ver a câmera. Ela me cutuca com um braço no meu ombro, e aponta novamente a direção da câmera. Eu mudo o ângulo da minha cabeça, e tento parecer enxergar algo. Mas a professora me cutuca de novo, e aponta. Eu finalmente encontro a câmera e o fotógrafo à minha frente, e digo "ah bem"(isso eu pude perceber através de leitura labial). Eu e Heloísa nos separamos meio constrangidos, sem nos despedirmos direito. 



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